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Equatorianos invadem o comércio ambulante do Centro do Rio e dividem espaço com os camelôs brasileiros

Marcos Tristão -
A Rua Uruguaiana é uma das que apresentam grande concentração de ambulantes egressos de países vizinhos ao Brasil: crise econômica é o maior fator de imigração
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Que as calçadas do Rio de Janeiro estão tomadas pelo comércio ambulante não é novidade para ninguém. Um olhar mais atento, porém, revela uma quantidade de pessoas de pele mais morena do que a dos brasileiros brancos e olhos mais repuxados, mais próximos ao biótipo indígena. A mesma crise econômica que assola o Brasil maltrata também nossos hermanos latino-americanos de uma maneira geral, que passaram a dividir o espaço das ruas com os camelôs brasileiros.

No Centro do Rio a incidência impressiona: só no trecho da Avenida Rio Branco entre as ruas do Rosário e Ouvidor, o JORNAL DO BRASIL contou oito desses vendedores, todos provenientes do Equador, cuja população sofre com o alto custo de vida, consequência da dolarização da economia, instituída desde janeiro de 2000 pelo presidente Jamil Mahuad Witt, antes de ser deposto e ir morar nos Estados Unidos. A dívida pública do país ajuda a compreender esse êxodo: em janeiro deste ano atingiu US$ 34,970 bilhões, ou 33,6% do PIB equatoriano. A maioria deles comercializa produtos piratas, entre camisetas, camisas polo, shorts e bermudas industrializadas, expostos sobre panos no chão. Não se vê ninguém com estrados para acomodar suas mercadorias.

Macaque in the trees
A Rua Uruguaiana é uma das que apresentam grande concentração de ambulantes egressos de países vizinhos ao Brasil: crise econômica é o maior fator de imigração (Foto: Marcos Tristão)

José Isam, 47 anos, é um deles. Ele chegou ao Rio há quatro, acompanhado da mulher, e não tem muito do que reclamar por aqui. Com ponto fixo na Avenida Rio Branco, diz que não teve problemas com a documentação e veio direto para o Rio de Janeiro. “A situação no Equador é muito ruim, a moeda de lá é o dólar. O Rio é tranquilo para trabalhar. Não sofro perseguição, e os camelôs brasileiros são boa gente, tenho amizade com eles também”, diz. Entre as camisas polo com os jacarés que imitam a marca Lacoste, camisetas de malha com inscrições de grifes como Gutti, o que mais sai são as camisetas de malha com imagens de gorilas mal encarados, de líderes indígenas, Bob Marley e Pablo Escobar, com preços de R$ 10 a R$ 25. Ele ainda arranha o português.

Há quase dois anos no Rio, o também equatoriano Jesus Andana, 18 anos, que só tem o primeiro grau, saiu do campo para a Colômbia e de lá para o Rio, com um casal de irmãos. Assim como Isam, mora no Centro, bem perto do local que escolheu para vender os shorts, bermudas e camisas esportivas que vêm de São Paulo para a Rio Branco. Seu único documento é o passaporte. Já passou pelo aperto de ter a mercadoria recolhida, e nunca devolvida pela fiscalização, prejuízo que ele não conseguiu contabilizar. Também fala um português sofrível, mas o suficiente para dialogar com os clientes. Sobre os colegas brasileiros, há de tudo, segundo ele, “gente boa e gente ruim”. O movimento não tem sido dos melhores, mas ele chega a tirar até R$ 200 em um dia. Só não está melhor porque sente falta dos familiares que ficaram no Equador: “Longe da família não dá para ser feliz”, desabafa.

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O peruano Aldo Damian veio ao Rio para mudar de vida: "Sou feliz aqui" (Foto: Marcos Tristão)

Sem efeito crise

Entre um absoluto predomínio de equatorianos na Rua Uruguaiana, inclusive em relação aos brasileiros, o peruano Aldo Damian, 40 anos, é uma exceção. Com curso superior em mineração, não foi a crise econômica, porém, que o expulsou de seu país. Ele trabalhava com perfuração de minas e já não aguentava mais prestar contas aos chefes. “Eram muito chatos, decidi que precisava virar autônomo”, contou, enquanto confeccionava uma pulseira de couro trançada. Deixou o Peru há quatro anos e veio direto para o Rio de Janeiro, atraído pelo movimento dos turistas que procuram a cidade.

Sem dificuldades, tirou um documento, que tem de ser renovado a cada dois anos. Mora no Centro, com a mulher e a filha de 15 anos, que conseguiu trazer dois anos depois de chegar aqui. Ao contrário dos equatorianos, que trabalham com mercadorias piratas, a função de artesão o preserva de ações de fiscalização. “O máximo que já aconteceu foi me mandarem embora, mas nunca recolheram meu material”, diz, referindo-se às pulseiras, colares, cabaças pintadas e pochetes que vende. Em dia bom, chega a tirar R$ 400, mas na baixa acontece de voltar para casa com apenas R$ 50 no bolso. “Sou feliz aqui, vou todo ano ao Peru para matar as saudades e faço o que gosto”, afirma.

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A argentina Idalia: 30 anos de Rio de Janeiro (Foto: Marcos Tristão)

No caso da argentina Idalia Hernandez, 49 anos, sua decisão de trocar seu país pelo Rio de Janeiro, há 30 anos, também não teve a ver com crise econômica. Ela tinha 19 anos quando veio ao Rio visitar um irmão. “Me apaixonei pela cidade. Naquela época ainda não tinha essa violência e não se ouvia falar em Aids. Morava numa cidade muito longe da praia e me encantei com essa proximidade aqui no Rio”, lembra. Idalia se casou com um brasileiro, de quem já se separou, e comemora o saldo de três filhas “maravilhosas” nascidas da relação. Quando chegou ao Rio inscreveu-se na feira de artesanato no Largo da Carioca, onde permanece até hoje. “Comecei com camisetas turísticas e hoje sou eu quem faço as bijuterias que vendo”, diz ela, que volta e meia vai visitar familiares na Argentina. “Tenho mais tempo de Rio do que de Argentina, é daqui que sinto saudades”, conta.

Segundo a prefeitura, não há nenhum tipo de tratamento diferenciado entre camelôs latinos ou brasileiros. “Todos os ambulantes precisam solicitar a licença para trabalhar de forma legal, como previsto na Lei 1876/92. Caso contrário, estarão sujeitos à fiscalização”, informa a assessoria de imprensa.

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