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Luzia ressurge das cinzas

Mais antigo fóssil das Américas foi resgatado de escombros do Museu Nacional em melhor estado do que era esperado

Raphael Pizzino Coordom/UFRJ -
Os fragmentos mais estáveis encontrados dentro da caixa de metal onde estava o crânio de Luzia
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Luzia vive! Depois da sequência de más notícias desde o dia 2 de setembro, quando o Museu Nacional e seu precioso acervo arderam em chamas, o diretor Alexander Kellner e a antropóloga Cláudia Rodrigues Carvalho, responsável pelo resgate do acervo remanescente, anunciaram ontem, em entrevista coletiva no auditório Macaco Tião, na entrada do Zoológico da Quinta da Boavista, que 100% dos fragmentos do crânio do mais antigo fóssil humano (Homo sapiens) das Américas foram encontrados entre os escombros e 80% deles já foram identificados. “O crânio de Luzia está sendo estabilizado para que possa ser totalmente recuperado”, disse Kellner, visivelmente entusiasmado com algo que todos esperavam “ser muito pior”. Segundo ele, “será um quebra-cabeças, possível de ser feito”.

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Os fragmentos mais estáveis encontrados dentro da caixa de metal onde estava o crânio de Luzia (Foto: Raphael Pizzino Coordom/UFRJ)

Com cerca de 12.500 a 13.000 anos, o fóssil de Luzia, com seus traços negroides, contribuiu para alterar as teorias da origem do homem americano. Ele pertenceu a uma mulher que morreu entre seus 20 a 24 anos e foi considerada como integrante da primeira população humana que entrou no continente americano. Descoberto nos anos 1970, o esqueleto foi encontrado nas escavações de Lapa Vermelha, gruta localizada no município de Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

Acesso seguro

O resgate desta descoberta, da maior importância tanto para o Brasil como para as Américas, cuja perda havia deixado a comunidade científica de luto, só foi possível graças aos R$ 8,9 milhões recebidos no mês passado pelo Museu Nacional do Ministério da Educação. Foram esses recursos que permitiram o escoramento das paredes e a remoção parcial dos escombros, para dar segurança para as pessoas entrarem no museu. Por lei, a instituição tem 150 dias para concluir esta etapa inicial, ou seja, ela tem de estar pronta em fevereiro de 2019.

Ontem, foram exibidos os fragmentos mais estáveis do crânio, entre partes do frontal (testa e nariz), parietal (parede), occipital (base) e temporal (têmporas), já após uma limpeza inicial do que é considerado pelos pesquisadores a cereja do bolo das 20 milhões de peças reunidas no acervo do museu. Também foram mostrados o crânio e a cabeça reconstituídos, há três semanas, em três dimensões.

Cuidados atrapalharam

O cuidado de guardar o crânio de Luzia em lugar separado da coleção, dentro de uma caixa de metal — também parcialmente recuperada —, colocada num armário, visava facilitar seu resgate em casos de emergência. Acabou, porém, por dificultar e retardar o acesso da equipe de dez pessoas da Antropologia, que chegaram a somar 50 integrantes, entre voluntários e funcionários dos demais setores do museu, engajados nesta causa.

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A antropóloga Claudia Rodrigues e o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner (Foto: Raphael Pizzino Coordom/UFRJ)

“Parte da caixa foi destruída, e os fragmentos também sofreram danos. O crânio já havia sido parcialmente reconstituído, e o calor do fogo soltou as peças. Também recuperamos o fragmento de um fêmur, praticamente no estado em que se encontrava. A reconstituição do esqueleto nunca chegou a ficar exposta por ser um exemplar de extrema fragilidade. Apesar de tudo, sobreviveu ao incêndio”, explicou Cláudia que, em vários momentos, não conseguiu conter sua emoção.

Ausência de telhado

Segundo ela, as chuvas e a ausência de telhado contribuem para agravar a situação dos demais tesouros que ainda podem ser resgatados dos escombros. A primeira etapa, em relação a Luzia, será a reconstituição virtual dos fragmentos, para depois dar início à reconstituição do crânio propriamente dita. Tudo isso, porém, vai requerer não apenas tempo, como muito dinheiro. “Agora vamos precisar encontrar uma nova casa para Luzia”, disse Kellner, referindo-se à necessidade de recuperar o laboratório do setor de Antropologia Biológica, destruído pelo fogo, que não deve custar menos do que R$ 15 milhões. Conforme o diretor, já existe um local previsto para esta reconstrução, que ele preferiu não antecipar.

Kellner também mostrou otimismo sobre a boa vontade do Congresso Nacional em relação à recuperação do Museu Nacional, que estuda uma dotação de R$ 56 milhões para a instituição. Os recursos serão investidos na recuperação da fachada e da sala do trono. Para os telhados, essenciais para preservar o que ainda está sob os escombros, não há recursos previstos. O diretor estima que para a completa recuperação do Museu Nacional serão necessários R$ 300 milhões.

Raphael Pizzino Coordom/UFRJ - A antropóloga Claudia Rodrigues e o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner