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Vizinhança mantém resistência contra o fim de área verde na Gávea, já devastada

Marcos Tristão -
O JORNAL DO BRASIL flagrou o momento em que desaba o galho de uma das 37 árvores, na Gávea, que já têm autorização da prefeitura para ser derrubadas
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Após uma curta interdição, o ruído das motosserras voltou ontem a substituir o canto dos passarinhos na Rua das Acácias 215, na Gávea, na Zona Sul da cidade. Apesar de saber que os proprietários do terreno têm autorização da prefeitura para derrubar 37 árvores e construir ali um imóvel unifamiliar de três pavimentos — com 14 banheiros, conforme constataram no projeto que está na Secretaria Municipal de Urbanismo —, os moradores continuam na resistência à perda da área verde de 1.100m², que está deixando de pulsar depois de décadas de existência.

“Cheguei a pegar sacos para remover eventuais ninhos de passarinhos ou bromélias que tivessem caído das árvores, mas acabei desistindo de pedir para entrar às pessoas que estão fazendo essa devastação”, confessou a dermatologista Thula Aguiar, que há dois meses alugou um apartamento bem em frente ao terreno, em busca do sossego do bairro.

Macaque in the trees
O JORNAL DO BRASIL flagrou o momento em que desaba o galho de uma das 37 árvores, na Gávea, que já têm autorização da prefeitura para ser derrubadas (Foto: Marcos Tristão)

Na véspera, ela já havia chamado a Delegacia de Proteção do Meio Ambiente (DPMA), que interditou a derrubada das árvores. Como os proprietários confirmaram que estavam autorizados pela prefeitura a tocar o projeto e a sinfonia metálica foi retomada, ontem ela acionou a Defesa Civil, que até o início da tarde não havia aparecido. “São só árvores desabando”, lamentava Thula, desolada, sentada na mureta vizinha a seu prédio em frente ao terreno. O JORNAL DO BRASIL testemunhou uma fuga dos micos que pulavam pelas copas das árvores da rua assim que começou o ronco das motosserras.

Ontem de manhã foi instalada no terreno a placa de legalização da obra, por cima do muro onde foi pichado “Aqui residem animais silvestres”. Nela, constam “construção de residência familiar com remoção de vegetação; processo 0026/510.642/2017, com licença ambiental 03734 para remoção de 37 árvores e compensatória (obrigatoriedade de replantio) de 362, no valor de R$ 97.975,36”. Registra também Camila Vital Abreu Fontes como engenheira ambiental responsável.

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Planta com os dois prédios da Rua Major Rubens Vaz; a servidão e os lotes 90 e 91, na sequência, onde ficava a área verde, agora destruída (Foto: Divulgação)

O fato de o terreno ser íngreme, estar totalmente úmido e, agora, sujeito a desabamentos, sem a contenção vegetal, não abalou a engenheira ambiental: “O condicionante do corte é a obra já provada pela prefeitura. Os proprietários do terreno atenderam todos os requisitos exigidos pelo município. Se quiserem contestar a lei, os vizinhos têm de ir à prefeitura, porque os proprietários estão seguindo todas as regras”, afirmou ela. A jornalista Mariana Salim, filha do proprietário do terreno, Ricardo Salim, reagiu: “O terreno ficou à venda por um ano e ninguém comprou. Se cada uma das 2.650 pessoas entrassem com R$ 50 — referindo-se aos assinantes da petição contra o projeto —, teriam comprado o terreno. Só depois que decidimos construir uma casa, é que a vizinhança resolveu reagir”, protestou.

Mesmo com as clareiras cada vez maiores e com o dramático som do despencar de galhos gigantescos, a batalha continua. O próximo capítulo acontece domingo, a partir das 11h, quando a vizinhança realiza uma mobilização convocada pela Internet “com música e lanche coletivo”, e convida os moradores a trazerem suas cadeiras e cangas, bem à carioca: “No alto da ladeira das Acácias tem um muro. Atrás do muro, uma linda mata, que é um braço da floresta. Venha dar seu recado: as árvores e todos os seres que ali residem vão ouvir nossos sussurros de amor, esperança, proteção e justiça”. E, com ironia, conclui a convocação: “Pé de sonhos, sem ter derrubado um só arbusto, vamos distribuir 362 mudas da Mata Atlântica. Queremos a floresta em pé. #nãoamedidacompensatoria”.

Divulgação - Planta com os dois prédios da Rua Major Rubens Vaz; a servidão e os lotes 90 e 91, na sequência, onde ficava a área verde, agora destruída