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Interditada obra na Gávea

Área verde que vizinhança se mobiliza para preservar acaba ganhando fôlego

Thula Aguiar -
Homens da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente integraram a operação que interditou a obra
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A dermatologista e médica do trabalho Thula Santos Aguiar, 46 anos, tomava ontem seu café da manhã no bucólico bairro da Gávea, na Zona Sul, quando começou a ouvir o ruído de motosserras. Ao chegar à janela, viu equipes sem uniformes ou proteções para si e terceiros começando a derrubar árvores no terreno de 1.100 m², nos lotes 90 e 91 da Rua das Acácias, em frente ao apartamento onde mora há dois meses. “Chamei a Delegacia de Proteção do Meio Ambiente (DPMA), que chegou aqui num camburão camuflado, com homens armados de fuzis, e também a Delegacia do Trabalho, que embargaram a obra”, informa ela, que também é observadora de pássaros da Mata Atlântica nas horas vagas.

Macaque in the trees
Homens da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente integraram a operação que interditou a obra (Foto: Thula Aguiar)

O abate de 37 árvores e a construção de um imóvel unifamiliar de três pavimentos nos lotes já foram autorizados pela prefeitura. “Só que o terreno faz limite com a Floresta da Tijuca, e a obra não foi autorizada nem pelo estado nem pelo governo federal. Já abriram um valão no terreno, mas a devastação foi interrompida”, comemora a médica. “As árvores e os bichos, como saíras sete cores, sabiás, tucanos e macacos-prego, não pertencem ao proprietário do terreno, mas à população”, argumenta.

O caso foi registrado na DPMA com o número 200-00327/2018. As equipes foram acionadas pelo Disque Denúncia que, até o fechamento desta edição, não havia recebido um retorno dos órgãos envolvidos na operação.

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Homens sem uniformes ou proteção começaram a derrubar com motosserras as 37 árvores na terça-feira (Foto: Marcos Tristão)

Petição com 2.650 nomes

Desde que a intenção dos proprietários de derrubar 37 árvores da área verde foi descoberta pela vizinhança, o caso ganhou tal proporção que já corre uma petição de protesto contra o projeto, com 2.650 assinaturas, de pessoas que ultrapassam não apenas as fronteiras da Gávea, como do próprio estado. Um que não consegue se conformar é o cineasta Thomas Mendel, 26 anos, que foi morar ali ainda bebê, mudou-se na adolescência para Petrópolis, na Serra Fluminense e voltou à Gávea para cursar faculdade. “Sou ambientalista, e essa é minha primeira referência de mata e de animais silvestres. É mais do que uma relação afetiva. Só voltei para a Gávea por causa dessa floresta. Também fiquei sabendo que há uma senhora na vizinhança que chora diariamente por causa desse desmatamento”, relata.

A confusão toda aconteceu porque o lote 91 estava em nome do falecido Manoel Antunes, proprietário do prédio 723. Já o lote 90 pertencia à também falecida Margarida Xavier, que deixou o prédio 719 para os filhos, Fernando, Maria Helena, que se casou com Ricardo Salim, e Maria Anita, casada com Fernando Guimarães. Os dois prédios são administrados em cogestão, têm à frente uma servidão e os dois lotes onde fica a área verde. Os dois genros de Dona Margarida — que sempre teve o cuidado de tratar seus locatários com toda a deferência — entraram na Justiça pedindo o usucapião do lote 91. Nisso, a vizinhança descobriu a existência de uma autorização da prefeitura, obtida por Salim e Guimarães, para derrubar 37 árvores do terreno que os vizinhos acreditavam pertencer a eles em copropriedade.

IPTU não garante posse

Na primeira mobilização da vizinhança, realizada em agosto, Ricardo Salim não conseguiu disfarçar sua contrariedade quando foi procurado pelo JORNAL DO BRASIL: “O lote não é área de condomínio, ninguém ali pagou IPTU, o que venho fazendo há 50 anos. É uma propriedade particular da minha mulher, fica na Gávea, não se trata de uma reserva biológica na Patagônia”, ironizou.

No processo de usucapião, a juíza Anna Eliza Duarte Diab Jorge, da 22ª Vara Cível, não reconhece a posse do terreno pelo pagamento de IPTU, conforme publicado pela edição de ontem do JB. Agora, a animosidade entre Salim e a vizinhança é tanta, que ele passou a circular pela rua acompanhado de seguranças. “O caso tomou uma proporção enorme, porque não querem entender que uma área verde como essa não pode ser substituída por um empreendimento imobiliário”, afirma Mendel.

Marcos Tristão - Homens sem uniformes ou proteção começaram a derrubar com motosserras as 37 árvores na terça-feira