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Colaborador de filme sobre a Intervenção, coronel critica falta de investimentos sociais

Entrevista com Fernando Montenegro

Marcos Tristão -
Coronel reformado do Exercito, Fernando Montenegro, comandante da ocupação do Complexo do Alemão
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Integrante das fileiras do Exército Brasileiro durante mais de 30 anos, o coronel Fernando Montenegro, hoje na reserva, voltou de Lisboa especialmente para participar do novo filme do ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel. Além de ter contribuído para o roteiro de “Intervenção”, fará uma participação nas filmagens, representando um interventor federal. O filme retratará o sucateamento e falência das Unidades de Polícia Pacificadora até a intervenção ser decretada.

Defensor da estratégia do interventor general Walter Braga Netto, que produziu, como resultados, em seis meses de atuação, a redução de crimes contra o patrimônio e o aumento do número de mortes em confronto com a polícia, Montenegro diz que a intervenção está contribuindo para recuperar a capacidade operativa dos órgãos de segurança. “Estão buscando valorizar a boa atuação policial”, defende. Sobre a estratégia, é categórico: “Quem morreu, foi porque quis”.

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Coronel reformado do Exercito, Fernando Montenegro, comandante da ocupação do Complexo do Alemão (Foto: Marcos Tristão)

O estado do Rio de Janeiro já está sob intervenção federal há seis meses, sob comando de um general do Exército. Tudo o que alcançamos até agora foi a redução de crimes contra o patrimônio, como o roubo de cargas. Por outro lado, tivemos aumento de mais de 38% no número de mortes em confronto com a polícia, entre março e julho, em comparação com o mesmo período do ano passado. O que o senhor acha disso? Deve-se ao incremento de operações feitas no estado? E o que podemos dizer do crescimento de tiroteios, medidos por aplicativos como o “Onde Tem Tiroteio” e o “Fogo Cruzado” no período da intervenção?

Os índices criminais do Rio melhoraram muito com a intervenção federal. Não só os roubos diminuíram, como os latrocínios (roubos seguidos de morte) também. As mortes, se você analisar, foram produto de confrontos. A tropa chega no morro e é recebida à bala. Então, quem morreu, foi porque quis. Foi porque resolveu enfrentar o Estado. O sujeito sentou o dedo na tropa. E a tropa vai fazer o que? Dar uma flor para ele? Sobre o aumento de tiroteios, a mensuração desses aplicativos não é confiável, porque tem cada vez mais gente usando. Não quer dizer, necessariamente, que os tiroteios aumentaram.

O fato é que reduzir a criminalidade é possível no nível tático, mas outras ações que tem que ser realizadas no nível estratégico e político. Ações que dependem dos políticos, e não são realizadas. O maior exemplo que temos disso é o Complexo de favelas do Alemão, ocupado por tropas em novembro de 2010, sob meu comando. São necessárias ações sociais que não dependem das Forças Armadas. Toda vez que as Forças Armadas entram nisso, roem osso. Fazem tudo que está ao seu alcance até com o sacrifício de suas próprias vidas. Mas existem outras esferas que não fazem sua parte.

Mas essas ações de enfrentamento também provocam mortes da tropa. Só na semana passada, três militares do Exército foram mortos. São perdas de vidas de todos os lados. Você acha essa estratégia inteligente?

Pois é, perdemos três militares negros, pobres e moradores de comunidades, mas não vi tanta comoção assim. O fato é que você vai lá para ocupar o terreno e o bandido tem que se render, porque quem detém o monopólio legítimo do uso da força é o Estado, não é o bandido. Não pode ser aceito compartilhar isso com o bandido, porque aquela população que está ali é refém dos criminosos. A população que vive nessas áreas está constantemente sob lei marcial, vivem sendo oprimidos sistematicamente com pena de morte, estupros e não podem falar nada. É uma completa opressão. O Estado, quando entra, é para acabar com isso, e o bandido tem a opção de se render. Lembro que, na ocupação da Maré pelo Exército, que acabou em 2015, flagraram o momento em que uma tropa entrou num beco e os bandidos saíram atirando e atingiram uma pessoa. Na dúvida, quem ficou sob suspeição foi a tropa. E a Maré foi ocupada de forma estritamente política, como também aconteceu com o Complexo do Alemão. A preocupação era garantir a realização dos grandes eventos que viriam a seguir, como a Copa das Confederações, a Copa do Mundo, e os Jogos Olímpicos. Tinha muita grana pra entrar na cidade. Era muito dinheiro pro governo administrar. E a ocupação do Alemão só aconteceu porque a opinião pública internacional começou a pôr em causa a capacidade do governo de garantir a segurança desses megaeventos. Significaria perda de capital e investimento. Para político, perder dinheiro que ele possa fazer caixa dois é o fim. Só por isso deram uma resposta ao crime: para acalmar a opinião pública internacional. O que teve mais impacto, para nós, na época, foi o mandado de busca e apreensão coletivo. Através disso foram pegos um monte de armas e drogas.

Você não acha que autorizar mandados de busca e apreensão coletivos é muito perigoso? Muitos abusos foram cometidos no Complexo do Alemão. Foram pés nas portas e roubos até de videogames das crianças do morro por agentes de segurança...

Eu sei, mas é preciso separar a banda boa da banda podre. Quando isso aconteceu, o Exército não estava dentro da favela, fazia só o cerco. A polícia tem a banda podre que fez isso, e deve ser combatida pela atuação da Corregedoria. Mas banda podre não é sinônimo de polícia. Mas esse tipo de coisa está sendo tratado diferente agora pela primeira vez, com a intervenção. Busca-se recuperar e valorizar a boa atuação policial, oxigenando esse tipo de percepção na população. O único desvio de conduta que aconteceu do Exército foi um tenente que levou um ar condicionado para casa e foi expulso.

Para o senhor, quais os ganhos reais da intervenção para o estado do Rio?

Sem dúvida são a redução dos índices de criminalidade e a recuperação da capacidade operativa dos órgãos de segurança pública, o que contribui para uma maior autoestima do próprio policial. Quando estivemos no Alemão, recebemos, na Força de Pacificação, através de milhares de ligações anônimas de moradores, pedidos para não sairmos de lá, dizendo que nunca tiveram uma comunidade tão segura. Essas pessoas viv’’em sob estado de exceção diariamente. Se fosse ruim, as pessoas não nos pediriam para permanecer. Não é verdade que os agentes de segurança chegam atirando.

Ainda sobre a estratégia de enfrentamento do crime pela intervenção federal, o que o sr. acha do uso do helicóptero batizado de “caveirão voador”, usado recentemente em operação na Maré, que fez diversos disparos sobre o complexo e levou terror à população local?

Atiraram contra quem? Contra os bandidos. E os snipers de helicópteros nível alto de adestramento. Quem coloca a população em situação de pânico é a polícia ou são os bandidos? Os bandidos. O estado de pânico já é vivido pela população todos os dias.

Mas o sr. acha razoável o Estado intensificar essa situação de pânico já vivida pela população diariamente?

Ao agir com este helicóptero, o Estado está reduzindo a capacidade coercitiva do crime organizado, que impõe uma ditadura de violência sem parâmetro e sem controle. Isso você só consegue à força. A culpa é toda do bandido. Nada disso é culpa do Estado.

O sr. já participou de missões em diversos lugares do mundo. Não houve, em outra parte do planeta, uma forma mais inteligente e segura de resolver isso sem ser através do tiroteio?

O México ainda não descobriu. Na Colômbia também não. Na Suécia, eles não sabem lidar com esse tipo de violência. Lá, assisti a uma palestra da chefe do serviço de inteligência dizendo que eles não sabem lidar com violência intensa. Não existe, no mundo, parâmetro para o nosso caso. Não adianta chamar consultor israelense, alemão, inglês, porque para gerir essa crise com as nossas variáveis não vai resolver nada. São muito atípicas.