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Esquerda dá lugar à direita bolsonarista em motins de PMs

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Pode parecer estranho que a nova direita brasileira, ligada ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), seja simpática a um movimento grevista -a não ser que a greve seja de policiais militares.

No embate entre policiais amotinados do Ceará e o senador Cid Gomes (PDT), a tropa bolsonarista condenou a atitude do parlamentar, mas não questionou a desobediência dos PMs, proibidos pela Constituição de fazer greve.

"Estimo melhoras ao senador Cid Gomes, o que não o isenta de ter provocado a reação, em legítima defesa, de pessoas que estão reivindicando melhores salários", afirmou o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ).

Seu irmão, o deputado federal Eduardo (PSL-SP) ajudou a impulsionar a #CidGomesPreso, replicada pelo exército digital bolsonarista.

Nem sempre foi assim. A reivindicação de melhores salários e condições de trabalho, que motiva a maior parte dos motins de policiais, era pauta identificada com a esquerda e seus movimentos sindicais.

Não à toa policiais lançados para a política na esteira de greves mais antigas frequentaram siglas esquerdistas.

Antes de concorrer à Presidência em 2018 pelo Patriota, Cabo Daciolo, líder da greve de bombeiros do Rio em 2011, foi eleito deputado pelo PSOL. O Pastor Sargento Isidório, catapultado pela greve de 2001 na Bahia, passou por PT, PSC, PDT e hoje está no Avante.

Para o pesquisador Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a bancada policial se comportava de forma independente de partidos; tinha agenda própria norteada por interesses corporativos.

O casamento com a esquerda era uma aliança tática que mirava essa tradição de movimento sindical e reformas mais profundas.

A direita bolsonarista em ascensão, porém, é que tinha convergência ideológica com policiais em busca de melhores condições de trabalho.

"A mudança para o PSL foi um chamado do presidente. Antigamente não tinha um partido que representasse os pensamentos mais à direita", diz o deputado estadual Capitão Assumção (PSL-ES), que foi do PSB quando passou pela Câmara Federal.

Em 2018, ano seguinte à greve da PM no Espírito Santo que deixou 225 mortos, sete policiais ligados ao movimento se candidataram --quatro pelo PSL, inclusive Assumção. Todos responderam a investigações, cinco chegaram a ser presos e um foi excluído da corporação. O então governador Paulo Hartung (ex-MDB) disse ver "a mão peluda da política" por trás do motim.

Lima vê cooptação das reivindicações de policiais, que considera legítimas, pelo bolsonarismo. "A pauta dos policiais é mal resolvida desde a Constituição de 1988. Eles são proibidos de fazer greves, de se sindicalizar, não têm Justiça do Trabalho. Mas muitos usam as associações [de classe] como trampolim político."

Pesquisa do professor José Vicente Tavares dos Santos, da UFRGS, analisou 715 greves policiais (52 de PMs), entre 1997 a 2017, para concluir que os grevistas são anistiados na maior parte dos casos.

"Com crescimento das bancadas de policiais, temos um cenário preocupante de que Executivo e Judiciário punem os grevistas, mas parlamentares aprovam anistia. E Bolsonaro teve um papel de endosso como parlamentar", afirma.

O pesquisador diz que a aliança entre bolsonaristas e policiais grevistas têm três dimensões: a reivindicação da classe por melhores salários e condições, a convergência ideológica conservadora e a conjuntura eleitoral. Se policiais alavancam seus votos ao se associarem ao capitão, o presidente, ao inflamar movimentos, enfraquece governadores de oposição alvos das greves.

Para o deputado estadual Sargento Rodrigues (PTB-MG), que se elegeu após a greve de 1997, nem Bolsonaro representa a causa policial. "Se ele tivesse a pauta da polícia, tinha deixado policiais fora da reforma da Previdência, porque é atividade de risco", diz.

Ele admite, contudo, que há uma identificação com o presidente --"pela formação, defesa das armas, da família, do combate à corrupção com o ministro Sergio Moro"--, enquanto a esquerda "se choca com as ideias que os servidores da segurança pública defendem, por exemplo, por serem a favor de invasão de terra pelo MST".

Há três anos, antes de a rede bolsonarista se voltar contra Cid Gomes, houve indícios do casamento entre essa nova direita e policiais grevistas na greve do ES. Na ocasião, o modus operandi de mobilização foi o mesmo: vídeos nas redes sociais e no WhatsApp.

O próprio Jair Bolsonaro gravou um vídeo à época, afirmando que o movimento não era uma greve. (Carolina Linhares/FolhaPressSNG)