ARTIGOS
Muito prazer, eu sou a cidade. O centro do Rio de Janeiro!
Por ALINE NOVAES E FABIANA CRISPINO
Publicado em 02/03/2023 às 19:00
Alterado em 02/03/2023 às 22:39
Edgar Allan Poe, em “O homem da multidão”, publicado em 1840, nos apresenta um narrador, que, da janela de um café em Londres, vê a cidade. Fascinado por um personagem cuja história deseja conhecer, ele aventura-se pela multidão para desvendar esse enigma. Mas, assim como a cidade, o homem “es lässt sich nicht lesen", (não se deixa ler). Desde então, se instituiu o desafio de decifrar e decodificar os enigmas presentes no espaço urbano.
A cidade, que se apresenta, primeiramente, como um espaço ambíguo, enigmático, labiríntico, surge ressemantizada na literatura, na música, no cinema, nas artes visuais e em proposições teóricas, como as do professor e pesquisador Renato Cordeiro Gomes. Alunas e discípulas do intelectual, recorremos à obra de caráter fundacional nos estudos sobre a vida urbana, Todas as cidades, a cidade: “Entre o cristal e a chama, fixidez e mobilidade”, a urbe é o lugar dos encontros, sejam eles físicos ou simbólicos. Ao se proteger ou revitalizar um espaço da cidade, além da manutenção desses encontros, preservam-se também o espírito de efervescência e renovação que lhes são característicos.
Em uma metrópole como o Rio de Janeiro, tal movimento é fundamental para garantir a contínua adequação do tecido urbano às necessidades da vida contemporânea, bem como para multiplicar as possibilidades narrativas, produtivas e afetivas. Atento a isso, surgiu o plano de cocriações do centro do Rio como organismo vivo, entendendo-o como pessoas, lugares, instrumentos, narrativas e negócios.
Realizado pelo Sebrae em parceria com organizações – como Prefeitura do Rio; Firjan; Cefet; Ibmec; entre outros –, o projeto contempla 11 ideias centrais. São elas: internet grátis; comunicação e divulgação da marca Rio; rodadas e atração de agentes privados; comunicação com o poder público; integração dos agentes de Capital; formação de juventude; fomento das atividades culturais; criação de grupos de mulheres para debater inovação; criação de governança; inovações para os negócios tradicionais; construção e mobilização de políticas públicas.
É importante lembrar que, da Avenida Central (atual Avenida Rio Branco) do início do século 20 ao Boulervard Olímpico de 2016, o Centro do Rio é também o centro das atenções e das emoções dos cariocas. Foi onde a cidade começou; onde surgiu o primeiro arranha-céu do país (o edifício A Noite, próximo ao Mosteiro de São Bento); o primeiro cinema (na região da Cinelândia); e, mais recentemente, onde foram inaugurados imponentes espaços da cena cultural, como o Museu do Amanhã e o Museu de Arte do Rio. O centro faz conviver e convergir pessoas, religiões, cultura, lazer, educação, iniciativa pública, privada e comércio, funcionando como um organismo vivo, que demanda constante alimentação.
Para que esse organismo alcance todo o seu potencial, diferentes setores da sociedade precisam agir em cooperação. Entre eles estão as instituições de ensino superior, que, ao atuarem junto à comunidade, criam possibilidades efetivas de aprendizado e intercâmbio de ideias, democratizando o desenvolvimento social a partir da educação. Na prática, ao expandirem seus esforços para além dos seus muros, as instituições de ensino se aproximam da cidade e beneficiam todos que de algum modo dependem dela.
Lançar luz nos modos de viver a cidade inclui o reconhecimento das contradições próprias do tecido urbano; da celeridade das aglomerações e da velocidade da produção industrial; da poluição sonora e visual; do crescimento da desigualdade social e das precárias condições de vida das classes trabalhadoras. Inclui, também, propostas que nos guiam pelos labirintos desse espaço, que, embora a princípio não se deixe ler, insiste em nos instigar e se apresentar: “Muito prazer, eu sou o centro do Rio de Janeiro!”.
Aline Novaes e Fabiana Crispino são Doutoras em Literatura, Cultura e Contemporaneidade e professoras titulares do Centro Universitário Ibmec.