ARTIGOS
Pela Ordem!
Por LIER PIRES FERREIRA e RENATA MEDEIROS DE ARAÚJO
Publicado em 09/01/2023 às 09:55
Alterado em 09/01/2023 às 09:55
O levante fascista ocorrido em Brasília/|DF neste domingo traduz perfeitamente o bolsonarismo. Movimento ancorado no ódio, no ressentimento e na violência, o bolsonarismo é a tradução mais completa do caráter retrógrado que caracteriza parcelas da sociedade brasileira. Até a ascensão do Messias, esses segmentos eram uma massa amorfa, sem voz nem rosto. Não mais!
Bolsonaro e seu clã deram corpo a aspirações que subsistiam nos porões da sociedade brasileira desde o final da ditadura militar. Não se trata de um movimento conservador, como frequentemente gosta de se apresentar. O bolsonarismo é retrógrado, ele deseja restabelecer uma ordem autoritária, socialmente excludente, que repousa na herança escravocrata, integralista e fascistóide, desde sempre presente no Brasil.
As cenas de violência que explodiram na Praça dos Três Poderes são a crônica de uma tragédia anunciada. Desde 30 de outubro, quando as urnas deram a Lula seu terceiro mandato, grupos recalcitrantes buscaram impedir a posse do presidente eleito. O primeiro ato deste teatro de horrores foi a tentativa de lockout de pseudo-caminhoneiros, cujo propósito era paralisar o país, gerar o caos e forçar uma anacrônica intervenção militar. Outros atos, como as ocupações diante de quartéis e o silêncio de Bolsonaro em face das manifestações antidemocráticas, também fazem parte dos atos preparatórios para os crimes deste domingo.
Como todo espetáculo, estes delitos não foram praticados sem um ensaio geral. Este ensaio deu-se no dia 12 de dezembro, quando, logo após a diplomação de Lula, atos de vandalismo e crimes políticos eclodiram em Brasília, diante da mais plácida conivência do governo Federal, ainda sob a batuta de Bolsonaro, bem como do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. A leniência dos poderes constituídos foi a senha para novos crimes.
Neste domingo, hordas bolsonaristas radicalizadas pelas redes sociais e pelas bolhas comunicacionais, em grande parte nutridas pelo presidente, seus filhos e apoiadores, explodiram em vandalismo e violência. Os atos deste domingo vinham sendo organizados pelas redes sociais ao longo da última semana, com convocações para concentrações em Brasília e São Paulo. Nestas convocações, translado, estadia e alimentação eram garantidos, evidenciando uma organização oculta e fartas fontes de financiamento. Mesmo diante de anúncios que circularam abertamente nas redes sociais, o governador de Brasília pouco fez. Portanto, seu patético pedido de desculpas pelos crimes perpetrados neste domingo não escusa sua omissão. A polícia militar de Brasília escoltou os criminosos até a Praça dos Três Poderes e muitos policiais tiraram fotos com eles, em nítida manifestação de apreço e apoio. Quando da escalada da violência, o efetivo policial era pequeno e tardou a atuar. Omissão também é crime.
Um aspecto que não se pode perder de vista é que o próprio o Planalto foi incompetente para evitar o Capitólio candango que chocou o Brasil. Mesmo no calor da formação de um novo governo, e sem prejuízo da responsabilidade penal e política do governador do Distrito Federal, a quem cabe a tarefa constitucional de garantir a ordem pública em Brasília, o governo já empossado não foi capaz de mobilizar suas forças policiais para combater os crimes hoje ocorridos. As polícias federal e rodoviária federal não foram adequadamente mobilizadas. As agências de informação e inteligência falharam grotescamente. As próprias Forças Armadas ficaram inertes. Por quê?
Abortar essas ações criminosas é essencial para evitar a deflagração de uma guerra civil. Ativos legais, como a Lei nº 14.197/2021, que revogou a antiga Lei de Segurança Nacional e modificou o Código Penal, dotando o Estado de meios adequados para lidar com situações como essa, podem e devem ser mobilizados nesse momento. Da mesma forma, há que se formar uma ampla base para erradicar a violência política. Essa base deve ser composta por membros do Judiciário e do Legislativo, inclusive pelos partidos ora na oposição, pois é certo que a direita democrática não está conivente com crimes que visam a destruição do Estado de Direito. O mesmo vale para as Forças Armadas, cujo compromisso com a democracia deve ser publicamente ratificado, reconhecendo, expressamente, Lula como comandante supremo da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, nos termos da Constituição Federal. É isso que esperamos, pois com o crime não se tergiversa.
A intervenção federal decretada na Segurança Pública do DF é um ato necessário, mas insuficiente. Os crimes deste domingo são inéditos na história do país. Nem a luta armada dos anos 1960 e 1970 ousaram atacar o Poder Nacional. Por isso, há que se identificar aqueles que invadiram as sedes dos Poderes da República, processá-los e julgá-los, alcançando, também e principalmente, aqueles que orquestraram os crimes contra a democracia. Não há espaços para anistia! Responsáveis devem ser punidos nos termos da lei. Tal punição, se for o caso, deve alcançar Bolsonaro e seu clã, posto que é difícil acreditar que eles não estejam entre aqueles que inspiraram e organizaram o Capitólio candango. A fuga para os EUA não deve afastar a perspectiva de que Bolsonaro está ligado à barbárie deste domingo. O mesmo deve ser dito em relação ao delegado da Polícia Federal, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, que, omisso quando dos atos de vandalismo na diplomação de Lula, também foi convenientemente de férias para o Tio Sam, embora esteja recém empossado como secretário de Segurança Pública do DF. Coincidência?
Mais do que nunca, o Brasil precisa de um posicionamento firme dos Poderes do Estado em favor da democracia. Legislativo, Executivo e Judiciário devem agir em uníssono. As Forças Armadas, assim como o Ministério Público, os partidos políticos, as associações de classe, os órgãos de imprensa e todas as expressões da Sociedade Civil devem condenar a barbárie, responsabilizar os criminosos e contribuir para a punição dos culpados. Há que se erradicar os representantes políticos e financiadores do levante fascista. Se Alexandre de Moraes foi essencial na garantia de eleições livres e democráticas, Lula agora deve se impor como o mandatário maior do país. Pela ordem, deve estabelecer o império da lei, cumprindo a Constituição que jurou defender.
Lier Pires Ferreira
PhD em Direito. Professor do Ibmec e do CP2. Pesquisador do Lepdesp/Uerj
Renata Medeiros de Araújo
Mestre em Ciência Política. Advogada