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EUA seguiam Jango no Uruguai: repressão preocupava embaixador americano

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Nos idos de 1975 não era mais segredo para o mundo as ingerências americanas nos regimes de força implantados abaixo da linha do Equador. O americano médio já não estava interessado num discurso anticomunista. Antes, preocupava-se com suas garantias individuais. Talvez, percebendo que a realpolitik do secretário de estado Henry Kissinger estivesse mudando, o embaixador americano no Brasil, John Hugh Crimmins, tratava de alinhar-se aos princípios ventilados na campanha de Jimmy Carter à presidência dos Estados Unidos, ao longo de 1976. 

Em 19 de julho daquele ano, Crimmins encaminhou à Secretaria de Estado de seu país o telegrama número 526, questionando abusos no Cone Sul. A correspondência seguiu com cópia para os embaixadores de Lisboa, Oslo, Paris, Roma, Estocolmo e para o setor de Informações. Nela, Crimmins comentava a fragilidade da segurança dos exilados na Argentina, principalmente, e nos países vizinhos. 

Logo no início do texto, o embaixador avisava: “Ataques recentes à esquerda são contra exilados na Argentina. Levantar questões sobre as práticas de segurança dos movimentos do cone Sul: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.” Em seguida, questionava: “a) Que grau de cooperação existe entre as forças de segurança do Cone Sul? b) Essas forças participam ou possivelmente consentem em um programa para executar exilados políticos que se opõem a qualquer um dos governos. São todos regimes militares conservadores, nenhum dos quais têm atuação exemplar.”

No item 12 do telegrama, Crimmins aponta: “As evidências não determinam a existência de coordenação formal e de alto nível entre as forças de segurança do Cone Sul para o propósito expresso de expulsar os exilados. É forte, no entanto, que a cooperação ocorre, pelo menos, em uma base localizada e oportunista, especialmente em áreas fronteiriças, em instâncias que envolvem a captura de líderes terroristas.”

O embaixador levanta questões verificadas posteriormente no acordo conhecido como “Operação Condor”, que permitia a troca de informações entre os governos dos países sob ditaduras, sobre militantes esquerdistas.

Tempos difíceis no Uruguai  

Perguntada se falaria sobre o telegrama que relatou a intenção de seu marido, o ex-presidente João Goulart, de voltar ao Brasil, Maria Thereza declinou. Alegou que não mais se pronunciará sobre o passado “de muito sofrimento”. A considerar pelo relato contido no livro de autoria de Jorge Ferreira, é mesmo difícil para a ex-primeira-dama repassar momentos como aquele vivido sob a ditadura uruguaia, que teve início com o golpe de 1973. 

Uma crise econômica corroía o Uruguai, afetando o campo político no país desde 1955. O próximo passo foi um processo de declínio social, ao longo da década de 1960. Houve um notável aumento dos conflitos, que incluiu a luta armada através da “guerra de guerrilhas”, protagonizada por grupos extremistas, entre os quais se destacou o “Movimento de Libertação Nacional -Tupamaros” e a disseminação de ideias por outras organizações, como a “Convenção Nacional de Trabalhadores”.

Também grupos de extrema-direita, a exemplo do “Esquadrão da Morte” e a “Juventud Uruguaya de Pie”, contribuíram para embaralhar a cena política no país. Aos poucos, as Forças Armadas foram assumindo influência, até que finalmente, com o apoio do então presidente uruguaio, Juan María Bordaberry, deram um golpe de Estado. 

“Quando os militares uruguaios deram o golpe e implantaram a ditadura, as coisas ficaram muito difíceis para nós. A melhor fase do exílio encerrou-se. A ditadura uruguaia era barra-pesada. Nas ruas, não se podia rir. Se algum policial visse uma pessoa rindo perguntava logo se estava rindo dele. Antes mesmo de responder a pessoa já recebia voz de prisão. Era algo que amedrontava”, contou Maria Thereza, ao autor da biografia de Jango.

Stroessner presenteou Jango com passaporte no Paraguai

No Paraguai, a ditadura de Alfredo Stroessner foi a primeira e a mais duradoura da América do Sul. A motivação não foi diferente das demais que nos anos subsequentes se instalaram nos países vizinhos. Atraso econômico, fome, miséria, instabilidade política e a ingerência americana, que olhava cá para baixo como se fosse o seu quintal.

Stroessner esteve no poder de 1954 a 1989. Foi por iniciativa dele, no entanto, que João Goulart viveu no exílio uma de suas maiores alegrias. Era um grande desejo do ex-presidente ir à África do Sul, se consultar com o cardiologista Christian Basnard, em voga por ter realizado o primeiro transplante de coração (03/12/1967). O relato foi feito pelo jornalista, já falecido, Geneton Moraes Neto, e está reproduzido na biografia escrita pelo historiador Jorge Ferreira. 

Jango recebeu um convite do general Stroessner para visitá-lo. Sem entender o motivo, desembarcou com Maria Thereza em 16 de outubro no aeroporto de Assunção, tendo feito reserva no hotel Guarani, no centro da capital. Na chegada, o casal foi recepcionado com flores e conduzido à suíte mais luxuosa do hotel, onde havia ficado ninguém menos que De Gaulle. Em seguida, foram convocados à residência oficial do presidente da República. Lá, Jango recebeu o tão sonhado passaporte.

No aviso impresso do documento, o governo paraguaio pedia “a todas as autoridades civis e militares dos Estados estrangeiros” que deixassem João Goulart “passar livremente”. A profissão: “Ex-presidente da República Federativa do Brasil”. A data de nascimento estava em branco, bem como o endereço – afinal, ele nunca morou no Paraguai. Profundamente emocionado, Jango não sabia como agradecer. Stroessner, enquanto abria uma garrafa de Champagne, respondeu que, se soubesse anteriormente do problema, já o teria resolvido. Para Maria Thereza, “era um dos sonhos de Jango: ter um passaporte para poder viajar. Jango teve poucos momentos de felicidade no exílio. Aquele foi um deles. Quando recebeu o passaporte, parecia uma criança ganhando um brinquedo”. (FERREIRA Jorge. “João Goulart – Uma biografia”. 5ª ed. Civilização Brasileira, 2011).

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