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'Al Jazeera': No Brasil, a festa acabou e ressaca chegou 

Artigo diz que Rio de Janeiro é o epítome da tragédia brasileira

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Artigo do professor e pesquisador Ramon Blanco publicado pela Al Jazeera nesta terça-feira (21) analisa cenário político e econômico do Brasil no mundo.  

Blanco aponta que em mundo inevitavelmente multilateral como, as potências regionais devem ter a sua quota de responsabilidades para construir caminhos mais plurais a fim de construir um ambiente político internacional mais justo e mais pacífico.

Portanto, diz ele, espera-se que o Brasil tenha um papel significativo na política internacional. No entanto, a crise que o país atravessa estruturalmente a impede de cumprir essa expectativa.

"O Brasil está derretendo, tentando ser suave". 

Uma imagem eufemística é a de que o país está acordando depois de uma festa enorme, com uma ressaca terrível, e agora tem que enfrentar uma realidade muito difícil, descreve Ramon em seu texto para Al Jazeera.

De fato, olhando para o Rio de Janeiro, que foi o anfitrião dos Jogos Olímpicos, a metáfora é de fato realidade. Sem surpresas, o Rio é o epítome da tragédia brasileira. Até recentemente, tanto o Brasil como o Rio estavam no centro das atenções da cena internacional, recebendo investimentos e elogios.

> > The Brazilian hangover: When the party ends

No entanto, transformar esta situação promissora em uma realidade sustentável foi simplesmente impossível quando a verdadeiro festa que o país estava desfrutando terminou. O Brasil estava desfrutando de um boom em suas exportações de commodities, graças à alta demanda na China. Assim que a demanda chinesa diminuiu, o impacto foi rapidamente sentido.

'Estado de calamidade'

A situação no Rio é trágica. Uma vez que a economia do estado é altamente dependente das vendas de petróleo, a diminuição dos preços do barril caíram no mundo e o escândalo de corrupção na Petrobras piorou a situação. 

A crise do petróleo mundial e especialmente a do Brasil acabaram por afetar várias áreas - que vão desde a luta do Estado para pagar os salários e as pensões de seus funcionários públicos, até seus setores de saúde e segurança, que está em ruínas.

Não é por acaso que o governador em exercício do Rio, declarou estado de calamidade em junho de 2016. Na esfera política, a situação não é melhor. Em novembro passado, por exemplo, Rio observou dois de seus principais políticos, Sergio Cabral e Anthony Garotinho, ambos ex-governadores, sendo presos.

Esse é definitivamente um microcosmo da crise no Brasil. O país está em uma extrema recessão econômica. Durante o boom das commodities, o Brasil perdeu a oportunidade de fazer modificações estruturais em sua economia e tornar-se menos dependente da flutuação de preços das commodities mas não o fez, afirma Ramon Blanco.

Inversamente, o país experimentou, por exemplo, a deterioração de seu setor manufatureiro. Agora, luta para produzir um crescimento econômico sustentável e gerar empregos suficientes, o que, conseqüentemente, enfatiza seu déficit público. Nesta situação, após o Rio de Janeiro, dois outros estados da federação também declararam um estado de calamidade financeira pública - Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Portanto, três das quatro maiores economias do Brasil estão inequivocamente quebradas. Mesmo o Espirito Santo, um estado muitas vezes elogiado como um exemplo financeiro, está sob uma crise de segurança significativa, devido a uma greve dos policiais exigindo melhores salários. As consequências da greve reivindicaram pelo menos 144 vidas.

Turbulência política

No entanto, uma dimensão fundamental da crise brasileira é a esfera política, que está em grave turbulência.

Nos últimos meses, por exemplo, o país testemunhou o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Além disso, a maior investigação de corrupção do Brasil, conhecida como Operação Lava Jato, está o maior partido do país e abalando profundamente todo o establishment político.

No topo de tudo isso, mais uma vez o Brasil está sob uma reestruturação neoliberal para superar a crise, que é o equivalente a avançar quando chegar à borda de um penhasco.

Um país que já foi capaz de prosseguir uma política externa muito pró-ativa agora é incapaz de lidar eficazmente com crises urgentes, como a da Venezuela ou do Haiti. Conseqüentemente, com seus principais pilares colapsados, é ilusório esperar que o Brasil tenha uma grande influência na cena internacional, avalia Ramon para Al Jazerra.

De fato, há bastante tempo pode-se observar exatamente o oposto, ou seja, o recuo das ambições globais do Brasil. Isso é claramente perceptível simplesmente observando a estrutura financeira de sua diplomacia. Por exemplo, o país vem diminuído o orçamento atribuído ao seu Ministério dos Negócios Estrangeiros. Assim, o Brasil não está apenas recrutando menos diplomatas, mas também discutindo o fechamento de várias embaixadas e consulados em todo o mundo, principalmente na África e no Caribe, informa Ramon.

A recente emenda constitucional, que limita o teto dos gastos públicos por duas décadas, sem dúvida garante que essa tendência não é efêmera, destaca professor. Mais importante ainda, deve-se notar que um dos pilares fundamentais da diplomacia brasileira é o seu presidente. Portanto, qualquer turbulência no gabinete do presidente - ou simplesmente de alguém que simplesmente não tem nenhuma inclinação para buscar uma política internacional proativa, como a ex-presidente Rousseff - afeta diretamente o posicionamento do Brasil no mundo. 

Portanto, não é difícil entender que um presidente que toma posse através de um processo de impeachment - como o Presidente Michel Temer - está longe de estar em uma posição sólida para realizar diplomacia presidencial com uma perspectiva global. Pelo contrário, a necessidade constante de simplesmente gerenciar sua posição política no país - como conseqüência de um processo de impeachment muito contestado e polarizador - apreende muito mais de sua atenção e preocupações do que qualquer aspiração internacional. 

Esta situação suprime estruturalmente a capacidade do Brasil de perseguir um objetivo político mais relevante em suas relações internacionais. Consequentemente, um país que já foi capaz de seguir uma política externa muito pró-ativa - Junto com a Turquia, um acordo nuclear com o Irã ou a promoção de um mundo policêntrico com os países do BRICS, envolvidos na concepção de uma arquitetura financeira internacional alternativa com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento - não consegue lidar eficazmente com crises urgentes em seu continente, como a da Venezuela ou do Haiti. 

É difícil acreditar que o Brasil vai recriar as circunstâncias necessárias para exercer um papel proeminente na arena internacional antes de ter um novo presidente em 2019. Somente alguém assumindo o cargo presidencial diretamente através do voto popular pode possivelmente aliviar as tensões políticas em Brasília, trazer alguma previsibilidade para a economia e, por sua vez, definir as condições para projetar a influência internacional do Brasil, conclui Ramon Blanco. 

"Até então, infelizmente para todo o mundo, o Brasil simplesmente permanecerá à deriva nas águas turbulentas que não estão no horizonte da política internacional", finaliza Ramon Blanco para Al Jazeera. 

*Ramon Blanco é pesquisador e professor de relações internacionais na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Brasil).