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Sistema penitenciário do Brasil "vai viver de massacre em massacre", alerta especialista

Chacina em Manaus é mais um exemplo de falha nesse sistema

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“Temos uma sociedade primitiva que festeja quando enchemos as cadeias, fica difícil pensar numa solução”, disse Marcos Bretas, do instituto de historia da UFRJ, especialista em história das prisões contemporâneas, sobre o massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM), que deixou pelo menos 60 mortos. Para o professor, “o brasileiro é muito punitivista, da direita à esquerda. Todos nós temos uma pontinha de prazer quando vemos, como nos últimos tempos, políticos sendo presos. Não há como negar isso”.

A chacina aconteceu por conta de uma rebelião que começou no início da tarde desse domingo (1º) e chegou ao fim na manhã desta segunda-feira (2), após mais de 17 horas de duração. O secretário de Segurança Pública, Sérgio Fontes, confirmou que a chacina é resultado da rivalidade entre duas organizações criminosas que disputam o controle de atividades ilícitas na região amazônica: a Família do Norte (FDN) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Aliada ao Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, a FDN domina o tráfico de drogas e o interior das unidades prisionais do Amazonas.

Desde o segundo semestre de 2015, líderes da facção criminosa amazonense vêm sendo apontados como os principais suspeitos pela morte de integrantes do PCC, grupo que surgiu em São Paulo, mas já está presente em quase todas as unidades da federação. Há ainda informações sobre a superlotação das celas do presídio.

Bretas afirma que “nós temos um sistema caído. E uma incapacidade de absorver a quantidade de pessoas que se condenam nesse país. Tudo isso se transforma num controle de grupos internos, e na emergência de grupos organizados”.

Segundo o secretário, o estado, sozinho, não tem condições de controlar uma situação como essa. Agentes penitenciários da empresa terceirizada Umanizzare confirmaram que 74 presos foram feitos reféns. Parte desses detentos foi assassinada e ao menos seis deles foram decapitados. Corpos sem cabeça foram arremessados por sobre os muros do complexo.

“O grande problema é que não conseguimos enxergar uma alternativa. Criar mais prisões só vai fazer com que aumente o número de vagas para continuar punindo mais gente. Isso só agrava o problema. É preciso encontrar uma alternativa que a sociedade brasileira pode aceitar. Como outras formas de pena, por exemplo. Mas para isso, é preciso pensar numa estrutura para punir aqueles que não serão mandados para prisão. Não é fácil, especialmente num momento de alta no desemprego. Como você vai utilizar essa mão de obra? disse Bretas acrescentando: “Sem isso a gente não vai andar. A gente vai viver de massacre em massacre”.

>> Rebelião em presídio de Manaus deixa 60 mortos

As autoridades estaduais ainda não sabem ao certo quantos presos conseguiram fugir do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus. Poucas horas antes do início da rebelião no Compaj, dezenas de detentos tinham conseguido escapar de outra unidade prisional de Manaus, o Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat). O próprio secretário chegou a afirmar a jornalistas que a fuga do Ipat pode ter servido como “cortina de fumaça” para acobertar a ação no Compaj.

Segundo Fontes, as forças de segurança optaram por não entrar no Compaj por considerar que as consequências seriam imprevisíveis. “[A rebelião] Foi gerida com negociação e com respeito aos direitos humanos”, disse Fontes, garantindo que os líderes da rebelião serão identificados e responderão pelas mortes e outros crimes.

A chacina tem sido comparada com o massacre do Carandiru, que ocorreu em 1992, quando uma intervenção da Polícia Militar do Estado de São Paulo, para conter uma rebelião na Casa de Detenção, causou a morte de 111 detentos. Marcos Bretas diz que são situações diferentes. Para ele, “choca muito mais quando a policia está envolvida, que supostamente deveria seguir as regras, do que uma rebelião entre internos, mas a gravidade do problema é igual”.

“Isso já vem acontecendo há muito tempo. A questão de direitos humanos é antiga e bastante trabalhada. O surgimento das facções no Rio aconteceu dentro das prisões. Mas por que ele é tão funcional? Porque o estado joga as pessoas ali dentro e deixa essas pessoas de qualquer jeito. O que acaba fazendo com que esses grupos proliferem. Acabar com isso é investir numa prisão com melhor qualidade de tratamento, e isso inclui investimento em estrutura. O que é de novo complicado”, ressaltou Bretas.

Em nota, o Ministério da Justiça informou que o ministro Alexandre de Moraes esteve em contato com o governador do Amazonas, José Melo de Oliveira, durante todo o tempo. Ainda segundo o ministério, o governo estadual deve utilizar parte dos R$ 44,7 milhões de repasse que o Fundo Penitenciário do Amazonas recebeu do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) na última quinta-feira (29) para reparar os estragos na unidade.

Para o professor, em uma situação de crise econômica, e alta do desemprego, “gastar com qualidade de vida para preso quando as pessoas do lado de fora não tem pode gerar conflitos”.

“Se você tem pouco recurso você vai investir na vida de quem está preso ou de quem está do lado de fora? Essa escolha acaba polarizando a discussão. ‘Dane-se quem está preso’. Democracia é escolha. Onde eu vou colocar o meu investimento? Os investimentos nos presídios estão sobre responsabilidade do estado. Eu tenho uma visão muito pessimista. Vamos ter que conviver com uma rebelião cíclica. Um dia estoura em Manaus, outro dia em São Paulo, no Rio, e por aí vai. E isso não é algo excepcional, é a forma como a sociedade está sendo construída”, concluiu Marcos Bretas.

*do programa de estágio do JB