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Lei de abuso de autoridade divide opiniões entre juristas

Dalmo Dallari não vê retaliação à Justiça. Já Silvana Batini vê "aberração jurídica"

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O pacote anticorrupção aprovado na madrugada da última quarta-feira (30), pela Câmara de Deputados, gerou forte reação de procuradores da República e boa parte dos juízes, que encaram a lei que responsabiliza magistrados e integrantes do Ministério Público em caso de abuso de autoridade como uma intimidação. Contudo, apesar das reações, a questão não tem unanimidade entre os próprios juristas. Enquanto uns reforçam a tese de que a lei, se aprovada, cercearia a Justiça, outros acreditam que ela dá mais proteção aos cidadãos e que se justifica, por causa de possíveis abusos que estariam ocorrendo por parte da Justiça.

Na madrugada da última quarta-feira (30), a Câmara aprovou uma versão totalmente reformulada do relatório sobre o projeto “10 medidas contra corrupção”, apresentado pelo Ministério Público. Das dez medidas propostas, incluídas no parecer do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), apenas três foram aprovadas, além de uma quarta, que não fazia parte das dez originais: a lei de abuso de autoridade.

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A emenda foi proposta pelo líder do PDT na Câmara dos Deputados, Weverton Rocha (MA), e pede que magistrados e integrantes do Ministério Público (MP) respondam por crime de abuso de autoridade quando atuarem com conduta incompatível com o cargo. Após 313 votos a favor, 132 contra e cinco abstenções, o projeto vai agora para o Senado Federal.

>> Crime de abuso de autoridade para juiz e MP. Veja como votou cada deputado

O procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol afirmou que a medida era "um retrocesso", e a chamou de "lei de intimidação". Dallagnol opinou em palestra realizada na FGV que “o crime de responsabilidade dessa forma não existe nem para deputados e senadores. O conteúdo dessa proposta traz previsões de crimes descritos de modo genérico, além de permitir que investigados processem investigadores, tornando a vida de qualquer juiz e promotor um inferno. Investigados como Eduardo Cunha e Sérgio Cabral poderiam se utilizar de seus recursos para praticar ações diretas contra juízes e promotores, a fim de intimidá-los.”

Contudo, o jurista Dalmo Dallari tem uma visão diferente. Para ele, a lei se justifica "por causa de abusos que vêm sendo realizados por parte da Justiça, principalmente no âmbito da própria Lava Jato". No entanto, na visão de Dallari, a nova lei não pode ser aplicada como fator impeditivo das investigações. "Ela não deve significar a proibição das investigações.”

Dallari disse que não enxerga a medida como uma retaliação do Congresso contra o Ministério Público, como vem sendo aventado entre alguns juristas, e sim como “uma resposta à utilização espetaculosa da Justiça.” 

Sobre a posição do procurador, Dallari afirmou que “Dallagnol tem de fato se comportado muito mais como um divulgador da imprensa do que como um agente do MP”. E concluiu: “Um ou outro excesso da lei pode ser restringido através de veto.”

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O juiz federal Silvio Luís Ferreira da Rocha, titular da 10ª Vara de Justiça Federal de São Paulo, afirmou que o projeto que reforma a legislação sobre os crimes de abuso de autoridade não tem outra finalidade que não reforçar o sistema de proteção dos direitos fundamentais inscritos na Constituição. “Considero esse projeto muito importante, exatamente para consolidar um sistema adequado de proteção aos direitos fundamentais contra o exercício abusivo do poder. Não é contra o exercício do poder, mas contra o exercício abusivo do poder.”

Já a professora de Direito da FGV, Silvana Batini, explicou que, no início, o objetivo da lei era de criar um crime de responsabilidade para juízes e promotores, mas que isso seria uma aberração jurídica. “Leis de crime de responsabilidade são direcionadas àqueles sem poder disciplinar”. Silvana explica que já existem mecanismos jurídicos para responsabilizar membros do Judiciário, e que eles não podem ficar sujeitos às mesmas leis que afetam os outros poderes, por serem "atividades protegidas por códigos de ética e disciplinares”.

Por causa deste problema, o nome foi alterado para “lei de abuso de autoridade”, quando na verdade, segundo a professora, a lei estaria desvirtuada, com o objetivo de coibir juízes e membros do MP. “Não tenho oposição a uma lei contra abuso de autoridade. Um juiz que dá carteirada para furar uma fila por exemplo, não tem nada na legislação atual que coiba isso. Uma lei que puna esse tipo de abuso seria fundamental. Mas não se trata disso.”

De acordo com a professora, “a lei aprovada pela Câmara permitiria que, por exemplo, se um promotor entrar com um processo no qual o réu é absolvido no final, o promotor poderia ser processado pelo próprio réu, como consequência pelo processo. Além de tudo, só o poderoso ou o rico poderá fazer isso”. Este ponto do texto é o que fez Dallagnol dar a alcunha de “lei da intimidação” para o projeto de lei.

Dalmo Dallari falou sobre a ameaça de abandono dos investigadores da Lava Jato

Nesta quarta-feira (30), os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato repudiaram a aprovação da punição para juízes e membros do Ministério Público Federal por abuso de autoridade, dentro do pacote anticorrupção aprovado pela Câmara de Deputados. Os procuradores apontaram que houve um ataque da Câmara contra as investigações e a independência dos promotores, procuradores e juízes.

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"A nossa proposta é renunciar coletivamente [à Lava Jato] caso essa proposta seja sancionada pelo presidente", afirmou Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da República e um dos coordenadores da força-tarefa, durante entrevista coletiva. 

Sobre a posição dos procuradores, Dalmo afirmou que se trata de “um absurdo total sem fundamento legal”. “Não se justifica um abandono puro e simples. Eles são servidores públicos e têm obrigação de realizar o serviço. Se por qualquer razão algum deles se sentir impedido por algum motivo pessoal, ele deve recorrer a um superior, e não praticar essa ação ilegal”, concluiu.

Outras medidas aprovadas do “pacote anticorrupção”

Para Silvana, apesar do pacote de leis ter “perdido o espírito”, a aprovação da criminalização do caixa dois, o agravamento de penas para corrupção e a limitação do uso de recursos infinitos com a finalidade de atrasar processos foram importantes. “Porém, os avanços não podem ser apenas no âmbito penal, mas também eleitoral.”

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Mesmo afirmando que a aprovação das medidas foi “saudável”, em todos os três casos, a professora apresentou ressalvas. “O aumento da pena é positivo, mas as escalas de progressão foram alteradas do texto original.” No entanto, segundo ela, “o que realmente inibe um corrupto é a possibilidade concreta de ele ser obrigado a cumprir a pena. O aumento de pena pode só ter resultados positivos se houver efetivamente sentenças condenatórias.”

Dentre as medidas que foram reprovadas, Silvana lamentou a queda das prescrições de penas. “Não eram tão controvertidas e contavam com apoio de boa parte da classe jurídica.” Sobre a criminalização do caixa dois, ela discorda de alguns especialistas quanto à opinião de que a criminalização seria redundante por já ser contemplada pelo artigo 350 do código eleitoral. “O artigo 350 não é exatamente sobre isso. Ele é sobre falsidade ideológica eleitoral. Diferenciar as duas coisas é importante pois são condutas de gravidades diferentes.”

* do projeto de estágio do JB