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Economistas alertam para as consequências da PEC do Teto de Gastos

Dados estatísticos mostram consequências para setores como saúde e educação

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O Governo Michel Temer estabeleceu como prioridade máxima a aprovação da Proposta De Emenda Constitucional 241, a PEC do Teto de Gastos públicos, que pretende regular pelos próximos 20 anos a forma como o Estado brasileiro aplica seus recursos. Nesta segunda-feira (10), o tema irá à votação no plenário da Câmara dos Deputados. Se aprovada, a PEC precisará passar por outras três apreciações — mais uma na Câmara e duas no Senado. 

Segundo a proposta, pelos próximos 20 anos, o valor destinado aos gastos primários - o conjunto de gastos que possibilita a oferta de serviços públicos à sociedade -, só poderia ser reajustado de acordo com a variação da inflação dos últimos 12 meses.  

E o que a PEC 241/2016 tem a ver com os investimentos em saúde e educação? Para garantir que os gastos primários, ou seja, saúde e educação, por exemplo, fossem sempre priorizados por qualquer governo, a Constituição Federal de 1988 determinou que o valor destinado a esses dois setores varie de acordo com a arrecadação da União. 

O artigo 198 da Constituição determina um percentual mínimo de aplicação de recursos com ações e serviços públicos de saúde, que corresponde a 15% da receita corrente líquida, no caso da União. No caso dos estados e municípios, situam-se em 12% e 15% do produto da arrecadação dos impostos, respectivamente. Já o artigo 212, determina que os gastos mínimos com a manutenção e desenvolvimento do ensino devem ser de 18% da receita de impostos, no caso da União e de 25% da receita de impostos e transferências para estados e municípios.

Para estabelecer um teto de gastos, a proposta também revoga o artigo 2º da Emenda Constitucional nº 86 de 17/03/2015, que estabelece a progressividade nos gastos mínimos com a área da Saúde em porcentuais da Receita Corrente Líquida. 

“Além de afetar os investimentos das próximas administrações, como isso poderia afetar o país no caso de uma nova crise mundial, uma tragédia ambiental, ou outro eventual imprevisto de grandes proporções?”, contestou Ana Urraca Ruiz, professora de economia na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Dados da oposição 

A liderança da Minoria na Câmara (os partidos não alinhados com o Governo) fez um levantamento de dados que indica que se os investimentos na área de educação, por exemplo, estivessem em vigor desde 2005, ao menos 350,6 bilhões de reais deixariam de ser gastos no setor nos últimos dez anos. 

"Se aprovada [a PEC 241], não há como manter os direitos sociais existentes. Não há como atender às demandas pela ampliação ou melhoria dos serviços públicos, sequer há como prover a infraestrutura necessária para produção nacional", diz trecho de um documento apresentado pelo PCdoB para contestar o projeto.

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, DIEESE, também demonstrou as diferenças anuais entre as despesas realizadas em educação e saúde durante o período de 2002 a 2015, e as mesmas despesas calculadas caso a nova regra tivesse sido adotada durante o mesmo período. No caso da educação, com a nova regra, a redução seria de 47%, no período. Já em relação às despesas com saúde, a redução seria de 27%. Ou seja, a perda na saúde, entre 2002 e 2015, teria sido de R$ 295,9 bilhões e, na educação, de R$ 377,7 bilhões. 

“Os problemas econômicos do país não dependem da aprovação da PEC. Se a arrecadação do governo aumenta, o governo pode gastar mais. Quando o estado arrecada menos, ele precisa gastar menos, isso faz parte do ciclo econômico. Quando você determina isso para os próximos 20 anos, você determina que vai ignorar os ciclos econômicos para os próximos 20 anos. Isso é um erro econômico”, completou a professora Ana Urraca.

Na sexta-feira (7), deputados dos partidos oposicionistas do PT e do PCdoB ingressaram com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão da tramitação da PEC. No mesmo dia, a secretaria de Relações Institucionais da Procuradoria Geral da República (PGR) emitiu uma nota técnica na qual aponta a inconstitucionalidade do projeto.

"Há que se assentar a inconstitucionalidade da PEC 241 nos moldes em que delineada, sob pena de se incutir no Poder Executivo a ideia de um ‘superórgão’ que, a pretexto de trazer a trajetória da dívida pública para níveis sustentáveis, passará a controlar os demais poderes ainda que de maneira indireta, inviabilizando o cumprimento de suas funções constitucionais e institucionais, o que contrariaria de maneira flagrante a ordem constitucional vigente", diz a nota.

A professora de economia da UFF ressaltou ainda que “a Constituição deve reger os princípios de qualquer lei. Se você inclui na Constituição que o estado não pode gastar, você está alterando os princípios da Constituição. Seria inconstitucional”. 

No Congresso Nacional

Na quinta-feira (6), os governistas conseguiram aprovar o relatório favorável ao Governo dentro da comissão especial que tratava do tema. Na sexta-feira (7), entretanto, não conseguiram reunir nem 51 deputados para abrir uma sessão ordinária de debates na Casa. 

A votação da PEC só começará após os governistas rejeitarem todos os requerimentos de obstrução da oposição e depois de encerrada a fase discussão pelos deputados favoráveis e contrários à proposta. Para aprovar, o governo precisará ter votos favoráveis de 308 deputados, tanto no primeiro quanto no segundo turno de votação. O 2º turno só poderá ser realizado cinco sessões plenárias após a aprovação do primeiro. Com isso, a segunda votação da PEC está marcada para 24 e 25 de outubro. 

Além de querer transmitir uma “sinalização positiva para o mercado”, a equipe de Temer acredita que o problema fiscal brasileiro tenha origem no elevado gasto público. Em diversas declarações à imprensa, o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem afirmado que o problema da despesa pública é estrutural, em razão, principalmente, das despesas obrigatórias definidas na Constituição Federal e que, portanto, para controlá-las, seria necessário reformar a Constituição.

Os dados levantados pela oposição são rebatidos por governistas, sob a alegação de que haveria um remanejamento de recursos para atingir o mínimo legal. A ideia é criar um mecanismo para que não se possa gastar mais do que arrecada, afirmam os representantes do Governo Temer.

“Congelar a economia condena o país ao subdesenvolvimento”, disse Ana Urraca, para quem a proposta apenas favorece interesses econômicos. “O que a PEC sinaliza para o mercado é uma ação para impedir a ação do estado. Em um país como o Brasil, o estado deve ser ativo. É obrigação do estado oferecer direitos. O governo está buscando um artifício constitucional para restringir o acesso a esses direitos. O país vai sofrer muito com isso”, finalizou a professora da UFF.

A proposta incita ainda uma questão importante não explicitada pelo governo: em caso de recuperação da arrecadação, com possível retorno de aumentos reais da receita, qual deverá ser o destino do superávit? Seria utilizado na amortização da dívida pública ou na redução de impostos?

* do projeto de estágio do JB