ASSINE
search button

Mensalão: Celso de Mello decidirá se réus têm direito a revisão de penas

Julgamento é interrompido com empate de 5 a 5 

Compartilhar

Com o décimo voto proferido pelo ministro Marco Aurélio, na sessão desta quinta-feira (12/9) do Supremo Tribunal Federal, ficou mesmo empatado (5 votos a 5) o placar do julgamento sobre o cabimento ou não dos embargos infringentes na ação penal do mensalão. Assim, o ministro Celso de Mello – o último a votar, por ser o decano do tribunal – vai decidir a questão na próxima quarta-feira (18/9).

A sessão foi encerrada – sem nenhuma intervenção do decano Celso de Mello – às 18h30, tendo em vista que três ministros tinham de assumir suas cadeiras na sessão noturna do Tribunal Superior Eleitoral.

Até agora, votaram contra o acolhimento dos infringentes os ministros Joaquim Barbosa (relator), Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Pelo cabimento de tais recursos – que podem modificar as condenações de alguns réus – manifestaram-se os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.

No final da sessão desta quinta-feira, o ministro Marco Aurélio e o ministro Roberto Barroso (que Marco Aurélio chamou de “novato”) desentenderam-se em função de suas divergências quanto ao chamado clamor público em torno da ação penal do mensalão.

Beneficiados

Caso o voto de minerva de Celso de Mello seja no sentido do cabimento dos infringentes, terão direito a um reexame de suas penas 12 dos 25 condenados. No crime de formação de quadrilha, José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, José Roberto Salgado e Kátia Rabello. No crime de lavagem de dinheiro, João Paulo Cunha, João Cláudio Genu e Breno Fischberg. Todos eles foram condenados, no ano passado, por 6 votos a 4, com exceção de João Paulo Cunha (6 votos a 5).

A defesa de Simone Vasconcelos, ex-funcionária de Valério, também apresentou petição, na última terça-feira, para ter direito a embargos infringentes. Ela foi condenada a um total de 12 anos, 7 meses e 20 dias de reclusão, mas quer rever a dosimetria das penas recebidas por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas – o que é considerado praticamente impossível por que ela não conseguiu quatro votos a seu favor quando foi julgada e condenada pela prática destes crimes.

A tese da defesa dos réus é de que deve ser aplicado, em ações penais originárias na mais alta corte do país, o artigo 333 do Regimento Interno do STF, segundo o qual cabem embargos infringentes à decisão não unânime do plenário que julgar procedente ação penal. O cabimento depende da existência de, no mínimo, quatro votos divergentes no julgamento de um determinado crime.

Os réus que terão direito aos embargos infringentes (com exceção de Simone Vasconcelos) foram condenados por formação de quadrilha ou por lavagem de dinheiro por 6 votos a 4. O debate gira em torno da revogação ou subsistência do dispositivo do RI diante do advento da Lei 8.038/1990, que instituiu normas procedimentais para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

Cármen Lúcia

A ministra Cármen Lúcia, no seu voto, considerou que a Lei 8.038/90 é uma lei federal, de iniciativa privativa da União, e que deve prevalecer sobre o Regimento Interno do STF que tem força de lei, mas é anterior à norma legal posterior que – como toda a lei – revoga para todas as disposições em contrário, assim que aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República.

Cármen Lúcia ressaltou o fato de que o que está em julgamento “não tem precedentes específicos”, e que o STF deve discuti-la, agora, apenas tecnicamente, tendo em vista, basicamente, o artigo 22 da Constituição.

Lewandowski

O ministro Ricardo Lewandowski, que foi o revisor da ação penal do mensalão (AP 470), proferiu um voto rápido, já que sua posição era bem conhecida. Ele destacou que “a possibilidade de embargar decisões não unânimes é da historia deste Supremo Tribunal Federal". Defendeu, no caso, a “conformação da lei doméstica à pluralidade de órgãos jurisdicionais, a fim de corrigir erros de fato e de direito, já que se encontra em jogo o bem mais precioso depois da vida, que é a liberdade das pessoas”. E lembrou também que nunca houve nenhuma contestação ao artigo 333 do RI, sublinhando que a polêmica só aparece agora por causa das repercussões do processo do mensalão.

Gilmar Mendes

Ao proferir o quarto voto contrário à aceitação de embargos infringentes na AP 470, o ministro Gilmar Mendes afirmou logo: “Já estamos a adentrar o numero de 60 ou 70 sessões dedicadas a este caso. Estamos praticamente com a pauta hipotecada.”. E acrescentou: “Aceitos os embargos infringentes, muito provavelmente teremos um ‘STF 2”. Como a maioria dos condenados que entraram com tais recursos pretende, na prática, livrar-se da condenação por crime de quadrilha,

Mendes aproveitou a ocasião para enfatizar a gravidade de tal crime, criticando até as atuais penas previstas no Código Penal (pena de 1 a 3 anos de prisão). E ao lembrar a recente condenação do deputado Natan Donadon a dois anos e três meses de prisão, disse que – comparado à “quadrilha do mensalão” – “o caso Donadon deveria ter sido tratado num juizado de pequenas causas”. Disse ainda que os réus condenados por quadrilha na ação do mensalão constituem “um grupo de delinquentes", associados “num esquema de corrupção estruturado nos subterrâneos do poder".

Marco Aurélio

No seu voto, feito de improviso (não escrito), o ministro Marco Aurélio, o penúltimo a votar, começou por fazer um resumo dos votos que levaram a um placar (até então) de 5 votos a 4 a favor dos embargos infringentes, o que “demonstrou divisão do tribunal”. Depois de dizer que “a beleza do colegiado está neste fenômeno – o somatório de forças distintas”, ele assentou que “não cabem, em matéria de direito instrumental, mudanças na interpretação das normas de regência”.

Ele fez o plenário rir quando comentou e perguntou: “Nós vamos ter mais de 4 votos vencidos (neste julgamento), e então vamos poder falar em embargos infringentes quanto à decisão que vamos tomar?”. E acrescentou: “Os embargos de infringência são recursos de revisão plena nos limites em que concebidos, e bem diferentes dos embargos de declaração (que sevem para dirimir eventuais obscuridades, omissões e contradições em acórdãos)”.

O ministro concluiu afirmando que os infringentes não poderiam ser aceitos por não ser o Supremo um tribunal de segunda instância. E também por que, se até 1988, por autorização constitucional, o STF atuava competência normativa para disciplinar ações e recursos a serem julgados pela corte, a situação mudou com a Constituição de 1988, que exige lei para este fim (No caso, a Lei 8.038/90, que não tratou dos infringentes em ação penal originária no Supremo).

Marco Aurélio reafirmou o seu entendimento de que houve, no caso, a “preclusão consumativa”, que “ainda existe no nosso sistema” (A maioria dos ministros não aceitara o entendimento de Marco Aurélio de que os embargos não cabiam, simplesmente, por preclusão consumativa, ou seja, a perda do direito de agir nos autos em face da perda da oportunidade, conferida por certo prazo ou quando o ato já se consumou.).

“Se prevalecer a ótica de que cabem os infringentes, em ação penal julgada pelo STF, o sistema não fecha” – proclamou o ministro ao concluir o voto. A seu ver, quem tem prerrogativa de foro especial por prerrogativa de função (congressistas, ministros de Estado) - e portanto é processado e julgado no foro privilegiado do Supremo por crime comum – não tem direito ao “duplo grau” de jurisdição. O RI do STF, a seu ver, está “derrogado” pelo Congresso, com base na Lei 8.038/90.

Final tenso

Ao fim do seu voto, Marco Aurélio chegou a se dirigir ao ministro Celso de Mello – que dará o voto de minerva – nestes termos: “O STF cresceu como órgão de cúpula do Judiciário junto aos cidadãos. Estamos a um voto da decisão. Que responsabilidade, ministro Celso de Mello!”.

O ministro Gilmar Mendes aproveitou a ocasião para reforçar a mesma responsabilidade do plenário, criticando indiretamente os votos de seus colegas opostos ao seu.

O ministro Robero Barroso sentiu-se incomodado com as palavras de Marco Aurélio e Gilmar Mendes , e afirmou que “não julgamos para uma multidão; eu voto de acordo com a minha consciência “.

Marco Aurélio considerou que o “novato” (o ministro Barroso, o mais novo membro do STF) o tinha criticado e a outros colegas não só naquele momento, mas também quando proferiu o seu voto, logo no início deste julgamento. Os ânimos foram serenados pelo próprio Roberto Barroso.