Apesar do esforço do governo federal, que aplicou, em três anos, R$ 138 bilhões no programa "Minha Casa, Minha Vida", visando reduzir o déficit habitacional, as construtoras estão transformando o sonho da casa própria em pesadelo para muitos brasileiros. A empresa campeã de problemas do gênero é a Construtora Tenda S/A.
O programa foi criado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2009. Os mais de R$ 130 bilhões aplicados pelo governo federal englobam desde repasses feitos às construtoras na forma de incentivos até valores de subsídios para o financiamento de imóveis novos para a população. O financiamento destina-se às famílias cuja renda seja de até seis salários mínimos( R$3.732).
Morador da Zona Oeste do Rio de Janeiro, o taxista Aleksander Modesto de Souza, 39 anos, viu na construção de um condomínio com cinco torres, em Campo Grande, a realização do sonho de se livrar do aluguel. Em março de 2010, ele assinou um contrato de financiamento do imóvel de pouco mais de 50 metros quadrados com a Caixa Econômica Federal.
Outras 79 pessoas, que seriam seus futuros vizinhos, fizeram o mesmo. A promessa da Construtora Tenda S.A. era de entrega imediata dos imóveis do condomínio West Life. No entanto, problemas na rede de esgoto atrasaram a emissão do Habite-se (documento que autoriza o efetivo uso dos imóveis) pela Prefeitura do Rio. Depois disso, houve novo atraso da Tenda para marcar a assembleia que instituiria o condomínio. Até agora, 30 meses depois, Aleksander não pôs a mão nas chaves.
No início de setembro, metade dos moradores até receberam as chaves, mas ninguém se mudou pois surgiram novos problemas no condomínio.
"Não consigo entender por que uma parte dos compradores ganhou as chaves este ano, enquanto outra metade segue pagando aluguel. Quando comprei, não imaginei que fosse preciso recorrer à Justiça para pressionar a construtora a cumprir algo que já havia sido combinado em contrato", apontou o morador de Bangu. "Quando entrei no condomínio e vi o estado em que a construção foi entregue, me surpreendi. Falta uma bomba d'água e o acabamento é de péssima qualidade", afirmou.
Um volta rápida no condomínio é suficiente para flagrar os problemas. A piscina, que seria usada por 80 famílias, tem apenas cinco metros de comprimento e 2,8 metros de largura. Ao lado, o que seria um parque de diversões para as crianças transformou-se em uma armadilha. Com seis caixas de esgoto na área, brincar no parquinho virou uma tentativa de desviar do trabalho mal feito pela construtora.
A área classificada pela Tenda como garagem tem uma vaga demarcada em cima de uma caixa de encanamentos. Dentro dos apartamentos já entregues é comum encontrar ralos sem tampas e até quadros de força sem fios.
"Destruindo sonhos"
Uma taxa de obra - 2% sobre o valor do imóvel durante a construção - é cobrada de todos os compradores, inclusive daqueles que, segundo explicações da Caixa Econômica Federal (CEF), não deveriam pagar.
Comprador do mesmo empreendimento, Arthur Oliveira Silva também teve a entrega das chaves atrasada por mais de dois anos. Não bastasse o atraso, ele recebe a cobrança pela taxa de obra mensalmente e acumula o pagamento de cerca de R$ 400 com o aluguel.
"Meu guarda roupas está há mais de dois anos na loja, assim como a minha máquina de lavar. Nunca imaginei um descaso tão grande com os clientes", desabafou. "O slogan da Tenda devia mudar de 'Construindo sonhos' para 'Destruindo Sonhos'", criticou. Os planos de Arthur, assim como de outros compradores, era se mudar logo após o casamento. No entanto, passados dois anos de atraso, ele já aguarda a chegada do primeiro filho fora do imóvel comprado.
Prédios com problemas
Perto do West Life, os moradores do condomínio Parma Life, também vendido pela Tenda, conseguiram entrar no imóvel comprado no início do mês passado. O atraso neste caso durou três anos. Quem pensou que, depois de pegar as chaves estivesse livre dos problemas, enganou-se:
"O condomínio está cheio de vazamentos e o material usado na obra é de péssima qualidade. Um grande volume de água está vazando no chão e a Tenda não sabe dizer o que está acontecendo", queixa-se a moradora Erica Carvalho. "A postura desta e de outras construtoras reflete um desrespeito muito grande pelos consumidores. Deve haver uma punição para estes serviços mau prestados. Recorri à Justiça pedindo indenização pelo atraso, mas há uma demora grande para resolver a questão nos tribunais", explica a moradora.
Cobrança indevida
Para Arthur, a cobrança da taxa de obra depois do atraso da construtora devia ser proibida:
"A gente acumula não apenas o aluguel por estarmos fora da nossa casa, mas também a taxa de obra que a Caixa Econômica Federal cobra religiosamente. Se a obra não atrasou por culpa dos clientes, por que é que nós devemos arcar com este custo? É um absurdo!"
O advogado Luis Medeiros, morador de São Paulo, teme a falência da construtora e a perda do investimento feito há seis anos no Residencial Horto dos Ipês, antes, portanto, de ser lançado o "Minha casa, minha vida". Ele comprou um apartamento ainda na planta em 2006. Na ocasião, pagou 70% do valor do imóvel à vista e financiou os outros 30% restantes.
Passados dois anos de atraso da construtora, Medeiros ingressou com ação judicial e requisitou a devolução do imóvel junto à Tenda. Ao contrário do que prevê a lei, a construtora não devolveu o valor já pago na transação.
"Eu empreguei R$ 70 mil reais há seis anos, paguei diversas taxas ao longo deste período, e quando cansei de esperar a Tenda ficou com o dinheiro e o apartamento. Apesar da ação judicial, a construtora não se intimida e até faltou a última audiência", reclama.
Campeã de reclamações
Conforme registrado no Procon do Rio de Janeiro, a construtora Tenda figura como a grande vilã daqueles que sonham com a casa própria. Só no primeiro semestre do ano passado foram feitas 78 reclamações sobre descumprimento do prazo fixado em contrato, além de outros itens do mesmo documento. No mesmo período deste ano, outras 25 reclamações constam no sistema do órgão.
Em segundo lugar está a construtora RJZ Cyrella. Foram 17 reclamações até julho do ano passado e outras 15 no início deste ano.
Procurada, a construtora Tenda informou que, desde 2008, quando a empresa foi comprada pela Gafisa S.A., já disponibilizou 27 mil unidades a clientes que esperavam pela entrega das chaves da casa própria e espera entregar pelo menos outras 11 mil unidades este ano.
Indenizações
Especialista em direito imobiliário, o advogado Rodrigo Karpat chama a atenção para o prazo máximo de tolerância de atraso de 180 dias. Depois disso, a Justiça tem estipulado o pagamento mensal de 1% do valor do imóvel pela construtora aos compradores.
Já a taxa de obra, os 2% sobre o valor do imóvel durante a construção, segundo Karpat, é considerada irregular se houver atraso da construtora.
"Existe o entendimento de que a taxa de obras seja abusiva, conforme preceitua o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada. Independente da interpretação, a partir do atraso da entrega da obra, ela não poderia ser cobrado, pois onera demasiadamente o consumidor".
Leia a nota da construtora Tenda na íntegra:
“A Construtora Tenda esclarece que, desde que a nova administração assumiu a empresa, em 2008, já disponibilizou mais de 27 mil unidades a clientes que aguardavam as entregas atrasadas, revisou todos os seus processos e investiu em tecnologia de obra capaz de garantir produtividade, prazo e qualidade para os novos empreendimentos.
Apenas no primeiro semestre deste ano, a Tenda entregou mais de 6.500 unidades e espera entregar neste ano entre 11 e 13 mil. Para fazer frente a este grande ritmo de execução e entregas, a Tenda vem investindo em tecnologia e formação de profissionais qualificados. A companhia dobrou o número de pessoas nas centrais de atendimento e o quadro de funcionários ganhou especialistas em Qualidade, Redes Sociais e Call Center, para que todos os clientes, independente dos canais a que recorram, recebam retorno da empresa.”.