ASSINE
search button

PF usa sua tropa de elite para combater quadrilhas no Nordeste

Compartilhar

Vasconcelo Quadros, Jornal do Brasil

BRASÍIA - O confronto que resultou em sete mortos, em frente a uma agência do Bradesco, na pequena cidade de Santa Luzia do Paruá, no dia dois de março, no Maranhão, revelou mudanças no perfil dos assaltos a banco: as quadrilhas estão dirigindo suas ações para pequenas cidades, mas a polícia, com respaldo do governo federal, está reagindo com rigor para evitar que bandos se transformem em grandes organizações criminosas.

A Polícia Federal decidiu utilizar o que tem de melhor em inteligência, planejamento e ação tática para brecar o avanço dos assaltos a banco no interior do país. Em Santa Luzia do Paruá, quem assumiu a linha de frente foi o Comando de Operações Táticas (COT), a mais bem treinada tropa de elite do país, que só entra em ação quando a operação envolve alto risco. Era o caso do roubo no Maranhão.

Cercados em frente à agência, os criminosos responderam à bala o cerco. E perderam. Nos 15 minutos de tiroteio, seis deles foram mortos na hora, um saiu ferido e três, que se renderam, foram presos. Um funcionário do banco, baleado pelos assaltantes, morreu. Foi o maior número de mortos numa ação do COT, cuja sede fica em Brasília, no Setor Policial Sul, a poucos metros da cela onde está preso o governador José Roberto Arruda. Três dias depois, em Alagoa Nova (PB), uma tentativa de assalto à agência do Banco do Brasil terminou com mais seis mortos, quatro na ação e outros dois, no dia seguinte, ao reagirem, num matagal próximo da cidade.

Foram apenas mais dois episódios dentro de um novo fenômeno da criminalidade no Nordeste que a Polícia Federal já chama de novo cangaço . As quadrilhas escolhem uma cidade pequena e, em dias de pagamento de benefícios federais, dominam os poucos policiais e tomam a localidade para limpar a única agência bancária.

Portando armamento pesado, como fuzis e pistolas de grosso calibre, antes e depois do assalto, assustam a população com rajadas ou matando quem oferecer a menor resistência, uma versão moderna do estilo empregado na século passado, entre as décadas de 20 e 30, pelo lendário Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, o Rei do Cangaço que semeava o terror pelo sertão nordestino.

A diferença é que agora a Polícia Federal, ao contrário das antigas volantes como eram chamadas as forças de segurança da época , passou a tratar esses crimes como um problema federal. A violência empregada pelos grupos e o pânico gerado em comunidades pobres comoveram o governo do pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva. A PF então criou uma divisão de repressão aos crimes contra o patrimônio, sediada em Brasília, que coordena todas as ações. Os passos dos criminosos são mapeados e os telefones grampeados com autorização judicial. Os bandos agem em vários estados, o que caracteriza o crime interestadual, cujo combate é atribuição da PF.

Quando não consegue prender os criminosos antes do assalto, os policiais agem no momento em que eles chegam à agência. Com mobilidade para chegar em qualquer lugar do país em três horas e meia, os homens do COT estão sempre à espera da quadrilha e usam o fator surpresa para tentar as prisões. Quando os bandidos reagem ou a vida de reféns está em risco, entram em ação os atiradores de precisão os chamados snipers, sempre bem posicionados e os homens de linha de frente, com armas mais potentes que as dos criminosos e protegidos pelos coletes, visor e escudos à prova de bala.

O grupo que prende, mas também sabe matar

O emprego do COT para ações de alto risco tem a finalidade de evitar mortes, seja de bandidos ou de inocentes. As de Santa Luzia do Paruá fugiram do padrão, mas são justificadas pela Polícia Federal como o mal necessário quando os criminosos não se rendem e passam a disparar contra reféns. O ideal, segundo a política, é encerrar a operação com todos os criminosos algemados, de preferência antes de o assalto ser deflagrado.

Em pelo menos dez ocasiões o fator surpresa resultou na prisão dos criminosos, sem a necessidade de disparar um tiro. Quando eles resolvem enfrentar, a polícia reage. Nem a sociedade admite que a polícia deixe de agir diz o superintendente da PF no Maranhão, Fernando Segóvia. Segundo ele, os criminosos tomaram a iniciativa do confronto. Alterados pelo consumo de crack, os criminosos assassinaram um caixa do banco e dispararam contra os policiais.

Nos últimos 18 meses, especialmente no Nordeste, o COT esteve na linha de frente de praticamente todos os casos e nunca sofreu uma baixa.

Esse trabalho está dando certo e vai continuar ainda mais forte, até a violência recrudescer avisa Segóvia.

Estatísticas da Federação Nacional dos Bancos (Febraban) apontam que nos últimos dez anos os assaltos em agências bancárias das capitais e cidades de porte médio caíram sensivelmente. Para se ter uma idéia, de 1.903 casos registrados em 2000, as ocorrências caíram para 297 no ano passado, uma redução de 84%. A queda mais vertiginosa se dá justamente quando as quadrilhas, brecadas pelo reforço da parafernália eletrônica e pelo aumento dos aparatos de segurança privada, migraram para as cidades pequenas, mesmo com menos dinheiro no cofre. Boa parte dos assaltos rende de R$ 100 mil a R$ 500 mil. Os bandidos optam por sitiar as cidades porque encontram facilidade.

A segurança pública no interior foi abandonada. É frágil e os bandidos se aproveitam disso observa o delegado Segóvia. Segundo ele, além das ações tipicamente de cangaço, no sertão nordestino, os grupos passam para outros estados e fazem assaltos mais planejados, cuja modalidade a polícia apelidou de sapatinho . Os assaltantes chegam em silêncio, se instalam na cidade alguns dias antes, fazem levantamento e, no dia da ação, em vez de uma operação de terror, sequestram o gerente do banco e sua família. A ação é discreta e os reféns só são libertados depois do desfecho.

O delegado Segóvia diz que a PF decidiu abraçar a repressão a esse tipo de crime por causa da deficiência das polícias locais e pelo alto grau de de violência empregado pelos bandos no sertão nordestino. Nas cidades sitiadas, com a polícia subjugada, eles levam o que podem de agências bancárias e lotéricas. E normalmente deixam um rastro de sangue.

Prisão pode ajudar polícia a esclarecer assassinato de senador

O combate às quadrilhas formadas pelos novos cangaceiros é uma atividade de alto risco. São ladrões perigosos, envolvidos em homicídios e latrocínios, que migraram do tráfico de drogas para assalto à banco. Uma das principais características desses grupos é a atuação em estados diferentes, o que dificulta o trabalho das polícias estaduais e acaba exigindo a entrada da Polícia Federal nos casos. Os chefões das quadrilhas são bandidos de alta periculosidade, envolvidos em assassinatos até de policiais.

Um deles foi preso no ano passado e tem uma ficha que mais parece um roteiro de cinema. João Ferreira Lima, conhecido como João Goiano ou O Homem da .50, aterrorizou as cidades de Varginha e São Gotardo (MG), onde o bando sitiou a cidade, matou um policial e assaltou dois bancos numa só operação. Um levantamento da polícia mineira aponta que, entre roubo a banco e carro-forte, ele está envolvido diretamente em 14 casos. Seu nome está associado também a assaltos no interior do Nordeste.

O criminoso foi apanhado em Tocantins, a caminho Venezuela para roubar uma carga de ouro avaliada em R$ 50 milhões. Com ele e seus comparsas a polícia encontrou armamento pesado, em cujo arsenal se destacava uma metralhadora Browing .50, com poder de fogo antiaéreo capaz de derrubar qualquer aeronave. Em janeiro deste ano, a PF apreendeu em Goiânia outra .50, igual a que derrubou o helicóptero da polícia no ano passado no Rio.

Descobriu-se depois que na Venezuela João Ferreira de Lima atuaria ao lado de seis ex-guerrilheiros das Forças Armadas Colombianas (Farcs), que transitam livremente na fronteira da região Norte do país. A prisão do Homem da .50 acabaria revelando um segredo que há 20 anos se transformou num mistério para a polícia e para o Congresso Nacional: a autoria do assassinato do senador Olavo Pires (PTB-RO), fuzilado com uma rajada de metralhadora em outubro de 1990, em frente a uma de suas empresas, em Porto Velho, em meio a campanha para governador de Rondônia, onde o parlamentar era franco favorito.

O assassinato foi executado por João Ferreira Lima e outros dois matadores de aluguel, Carlos Leonor de Macedo, o Perneta, e Roberval Luiz Magalhães, o Polaco, o homem que acionou o gatilho da metralhadora Uzi que varou o senador com 18 tiros. O Ministério Público já denunciou nove envolvidos: os três executores e outras seis pessoas que deram apoio ou atuaram na contratação dos matadores. Alguns são ligados a políticos e empresários de Rondônia.

A prisão dele serviu para reativar o caso. O crime seria prescrito no dia 16 de outubro deste ano diz o delegado Márcio Mendes de Moraes, de Rondônia, que reabriu o inquérito depois de confirmar que João Goiano esteve no local do crime e, provavelmente, é o autor um dos tiros de pistola que acertou a boca do senador. O assassinato está resolvido pela metade, mas já provocou uma generalizada dor de barriga na classe política de Rondônia em decorrência dos prováveis desdobramentos.

O delegado Moraes diz que a parte ainda sem solução é a identificação e prisão do mandante do assassinato do senador, cuja motivação pode estar relacionada a um misto de interesses empresariais e políticos.

Pelos autos não há como denunciar ninguém. Mas ainda acredito que entre os presos uma das testemunhas aceite a delação premiada e conte quem encomendou o assassinato do senador diz o delegado.