Yaci Nunes, Jornal do Brasil
RIO -
Líder da revolta dos Marinheiros, em 1964, cassado pelo AI-1, Neguinho vai entrar em território brasileiro, após 40 anos, com seu verdadeiro nome e com seu primeiro passaporte brasileiro. O ex-militante viveu na Escandinávia de 1973, quando saiu fugido da ditadura chilena, até o início desse ano, com um nome falso.
Ele só começou a usar o nome verdadeiro após outubro do ano passado, quando conseguiu ser anistiado e aposentado como sub-oficial da Marinha pelo Ministério da Justiça. Mas, mesmo anistiado, ficou com medo de voltar. Só tomou coragem depois que contratou um advogado suíço para explicar porque passou quase 40 anos usando nome falso na Suécia.
Ele virou cidadão sueco poucos anos após ir morar lá. Não por ter casado com uma cidadã sueca, mas porque lá é assim, qualquer cidadão que trabalha e cumpre a lei direito acaba conseguindo obter a cidadania, sem maiores problemas. Na Suécia é assim compara Guilhem Rodrigues da Silva. Lá, não existe miséria, não existem problemas de sobrevivência como aqui. O Estado se responsabiliza pelo cidadão, paga os estudos, a previdência, a saúde. Eu, por exemplo, não me arrependo de não ter voltado para trabalhar no Brasil. Mesmo anistiado, preferi ficar por lá. Era mais confortável. Mas esse não foi o caso do Neguinho. Paraibano, é claro que ele tem saudades do Nordeste e do Rio de Janeiro. Ele gostaria de ter voltado, mas ficou desconfiado com tudo o que lhe aconteceu.
Filho de Saturnino de Medina da Silva, um agricultor da cidade de Rio Grande (RS), Guilhem começou a atuar politicamente na Marinha durante a campanha da legalidade, após a renúncia de Jânio Quadros. Quando aconteceu o golpe de 1964, ele ficou preso por uns tempos na Ilha das Cobras e foi perseguido pelo Cenimar, serviço secreto da Marinha. Fugiu para Montevidéo, com a ajuda de um pastor. No Uruguai, aproximou-se mais de Brizola, Jango e Neiva Moreira.
Fui sustentado pela famosa caixinha do presidente Jango. João Goulart dava dinheiro do próprio bolso para os refugiados. Trabalhei durante dois anos vendendo livros para uma editora espanhola. Conheci um casal de evangélicos da Assembléia de Deus da Suécia. Eles me levaram para a cidade de malmoe, no Sul da Suécia, me ajudaram a fugir da América do Sul, por causa das ditaduras militares. Fui trabalhar na fábrica de caminhões Briab como eletricista sem nunca ter exercido antes a profissão.
Guilhem revela que acolheu Neguinho na Suécia a pedido do amigo Tetsuo, nipo-brasileiro.
Ele me entregou US$ 2,5 mil para comprar três passagens de navio e enviá-las para um endereço no Chile. O meu amigo japa eu já conhecia desde Montevidéo. Tinha sido minha testemunha no consulado brasileiro para o registro de minha filha Zoyra-Lya. Tetsuo, nessa época, estava morando na Bulgária. Disse-me que os dois homens do grupo eram os ex-marinheiros Neguinho e Élio, e que a mulher chilena, Fernanda, era esposa do Élio. Havia, ainda, uma criança de 3 anos relembra Guilhem. Dois meses depois, recebi uma ligação da Polícia da Dinamarca. Queriam saber se eu me responsabilizava por o que eles pensavam ser três ciganos. Na Europa, os ciganos eram muito discriminados. Fui buscá-los. Expliquei que eram refugiados. Levei-os para minha casa, em Lund. Fui casado com uma condessa sueca.
Segundo Guilhen, Neguinho teve muita força de vontade durante o refúgio. Aprendeu a falar a língua estrangeira e enfrentou as diferenças culturais e de temperatura.
Ele teve dois filhos lindos com a esposa, na Suécia. Mas, só trará a família se perceber que não terá problemas para morar no Brasil. Eu, por exemplo, tive excelente oferta do Leonel Brizola para vir trabalhar aqui, nos anos 80, mas resolvi ficar lá. Mesmo agora, que o país tem um presidente muito conhecido e respeitado, como o Lula, não me arrependo de residir na Suécia afirma o escritor.
O passaporte brasileiro de número CX844091, emitido pelo vice-cônsul do Brasil em Estocolmo, José Ulysses Magalhães Ribeiro, foi concedido a Neguinho no dia 18 de junho deste ano. Os integrantes do grupo Os amigos de 68 acharam estranho o texto do documento, dizendo que ele foi concedido conforme despacho telegráfico do Ministério das Relações Exteriores .
É claro que a ditadura acabou, mas até hoje ainda existem os entulhos autoritários. A sociedade ainda é branca e racista no Brasil. Ainda existem telégrafos na era digital. O Brasil que o Neguinho vai encontrar é bem melhor do que aquele, de 1969, do ponto de vista dos avanços democráticos. mas, ainda há muita coisa para acontecer. É claro que a falta de liberdade de imprensa acabou, a censura acabou, a liberdade de expressão existe, mas não sei mais se ainda existe tanta gente querendo mudar o mundo como antes completa, em tom saudoso, Dalva Bonet. (Y.N.)