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Edmar, o ex-carcereiro de Marcio Lacerda

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Vasconcelo Quadros, Jornal do Brasil

BRASÍLIA - A insistência em ascender ao alto clero custou ao deputado mineiro Edmar Moreira mais que o cargo na Mesa da Câmara, a desfiliação do DEM ou o constrangimento de escancarar suas peripécias financeiras e o exótico castelo de R$ 25 milhões. Até então pouca gente sabia do lado sombrio do oficial da PM mineira que, entre o final de 1969 e início de 1970, foi carcereiro de presos políticos na cadeia de Linhares, em Juiz de Fora (MG). Lá foram abrigados cerca de 300 presos políticos, entre eles figuras de expressão no poder hoje, como o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB), na época militante da Ação Libertadora nacional (ALN), a mais aguerrida das organizações armadas de esquerda. Curiosamente, hoje ambos são aliados políticos. Lacerda ficou preso em Juiz de Fora de 1969 a 1973.

Diz o ex-ativista Rogério Teixeira, que também pertenceu a ALN e foi companheiro de prisão de Lacerda, num relato divulgado pelo jornalista Laerte Brandão, que Edmar era o jovem oficial que costumava soltar cachorros no pátio da cadeia e disparar tiros a esmo para assustar os presos políticos, depois que estes se rebelaram contra a truculência do tenente que protegia o rosto com óculos escuros tipo ray-ban. A revolta se deu porque o carcereiro fazia revistas rotineiras em que obrigava cada detento a dizer o nome e a organização que pertencia, sempre chutando a porta da cela para atemorizar. Num determinado dia, os presos resolveram dar um basta, se recusando a responder.

Empresário e fazendeiro, Edmar destaca-se pela atuação em favor do jogo, o uso de armas e participação no grupo de parlamentares ligados à segurança, cuja bancada, em cada legislatura, recebe ex-policiais que tiveram atuação nos porões das ditaduras antes de estrelar na política. O grupo vem de longe. Da época de Getúlio Vargas, o mais conhecido é o ex-senador Felinto Muller, o oficial que integrou e depois desertou da Coluna Prestes e, mais tarde, firmou-se como símbolo da repressão entre 1933 e 1941. Responsabilizado pela repressão ao movimento sindical, prisões de operários e a tortura, Muller é acusado ainda de mandar para as câmaras de gás de Alemanha nazista a companheira de Prestes, Olga Benário.

Os protagonistas dos confrontos travados entre 1968 e 1974 também se deslocaram para o Congresso a partir da anistia de 1979, com a eleição de ex-guerrilheiros e militares que haviam comandado a repressão e acabaram sendo acusados por maus tratos, tortura e eliminação sumária de presos. Eleito em 1982, no mesmo pleito em surgiu no cenário político o ex-guerrilheiro José Genoino Neto, o mais famoso deles é o ex-prefeito de Curionópolis (PA), Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido como Curió, um dos responsáveis pelo sumiço de 59 ativistas do PCdoB e dez camponeses da região.

Dos anos de chumbo surgiria também o delegado Romeu Tuma, que se elegeu senador pela primeira vez em 1994. Delegado responsável pela área de informações do Dops paulista onde dividia tarefas com seu colega Sérgio Paranhos Fleury, um dos grandes símbolos da tortura e depois diretor do mesmo departamento, Tuma se livrou do patrulhamento da esquerda ao se dedicar, já na Polícia Federal, a partir de 1982, à caçada de criminosos nazistas e mafiosos italianos, o que lhe deu roupagem de xerife e a estrada pavimentada para chegar à política. Não há denúncia de que tenha se envolvido com tortura.

No mesmo ano, o Congresso ganharia outro expoente da repressão, o general da reserva Nilton Cerqueira, que no ano seguinte assumiria a Secretaria de Segurança do Rio. Famoso por chefiar a equipe que matou Carlos Lamarca, em 1972 na Bahia, anos depois seu nome apareceria como o general que comandou o extermínio da Guerrilha do Araguaia.

Fases

Não há registros de que Edmar Moreira tenha participado diretamente de tortura, mas seu namoro com os órgãos de repressão teria duas fases: a primeira, agindo com truculência para mostrar serviço como carcereiro de presos políticos e, na segunda, um incidente que, ironicamente, o afastaria definitivamente da PM mineira. Num dos escândalos passionais mais famosos daquele período na região, em 1972, ele prendeu e espancou um empresário que, para seu azar, era amigo de um coronel do Exército. Pressionado pelos militares, foi obrigado a entrar para a reserva.

O desligamento da corporação acabou empurrando o então capitão para a atividade de segurança privada e, de lá para a fortuna e a política. Numa ironia que só a salada ideológico-partidária brasileira permite, Edmar lidera em Minas o grupo ligado ao governador Aécio Neves e, por extensão, presta apoio em Belo Horizonte ao prefeito Marcio Lacerda, que esteve preso em Linhares no período em que o parlamentar era carcereiro de presos políticos. Por lá também passaram outros ativistas que se tornariam conhecidos na polícia, como o ex-ministro dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, e o secretário de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, Gilnei Viana todos ativistas que pegaram em armas para se opor à ditadura militar.