Vasconcelo Quadros, Jornal do Brasil
BRASÍLIA - Sem Vestígios revelações de um agente secreto da ditadura militar brasileira (Geração Editorial, 239 páginas), da jornalista Taís Morais, é um escabroso relato de alguns dos episódios mais graves ocorridos nos sete anos seguintes a edição do Ato Institucional Número 5 (AI-5) prisões ilegais, tortura generalizada, execuções sumárias e o desaparecimento forçado de dezenas de brasileiros.
Construído a partir do depoimento de agentes que estiveram na linha de frente da repressão como integrantes de um seleto grupo de execução formado pelo Centro de Inteligência do Exército (CIE) cujos nomes eram mantidos em sigilo , o livro também joga luzes sobre uma das versões do paradeiro dos militantes do PC do B desaparecidos na Guerrilha do Araguaia.
Depois do translado dos corpos de onde estavam originalmente (...) foram amontoados em uma cova muito profunda, forrada e depois coberta com várias camadas de pneus, depositando os cadáveres no meio. Em seguida, com o uso de imensas quantidades de gasolina, atearam fogo à pilha, até que tudo se transformasse em cinzas. A cova foi, então, coberta com terra, para em seguida receber mudas de árvores e sementes de capim diz o trecho de um do capítulo que trata do assunto.
Buracão
O novo nessa versão da operação limpeza organizada por oficiais que cumpriam ordens do ex-presidente Garrastazu Médici, para exterminar os guerrilheiros e apagar vestígios "cortem o mal pela raiz", teria dito o general , é que, apesar da maquiagem na paisagem, há a descrição sobre o local da desova, cujas anotações se encontram com oficiais que ainda estão vivos, entre eles, o ex-deputado e ex-prefeito de Curionópolis (PA), Sebastião Rodrigues de Moura, o major Curió.
O ponto descrito fica na Serra das Andorinhas e, uma vez identificado, apesar do tempo decorrido, com a análise da terra, uma perícia pode encontrar fragmentos humanos e de borracha impregnados no terreno.
A fonte de Taís Morais diz que foi cavado um buracão para acomodar os corpos e várias camadas de pneus. Depois, os mesmos agentes aterraram a vala e, em cima dela, plantaram árvores. A jornalista especula que o vento levou poeira e cinzas. Como se tratava de um buracão, é impossível ordenar à natureza que os ventos fizessem uma trajetória em cone para varrer todos os vestígios.
Ivan
O fio condutor da história de Sem Vestígios são textos supostamente deixados por um dos agentes do CIE, entregues por uma mulher não identificada. Taís trata o personagem pelo fictício apelido de Carioca, mas acaba deixando uma pista sobre sua verdadeira identidade ao legendar uma das fotografias que ilustram o livro.
Dois deles já morreram. Um deles é Carioca escreve.
Ela esqueceu, no entanto, que a mesma fotografia havia sido publicada em outro livro,Operação Araguaia - os arquivos secretos da ditadura (Geração Editorial), uma das mais densas publicações sobre o tema, escrito por ela mesma em parceria com o jornalista Eumano Silva, com os nomes verdadeiros de dois personagens que aparecem na mesma foto.
Entre eles se encontra o homem que ela trata pelo pseudônimo de Carioca, cujo nome verdadeiro, segundo apurou o Jornal do Brasil, é Joaquim Artur Lopes de Souza e o de guerra é Ivan, um dos mais atuantes agentes da repressão.
Em outra publicação, Lei da Selva, do jornalista Hugo Studart, na mesma foto, Ivan é apontado como um dos principais executores de guerrilheiros apanhados vivos. Studart sustenta que foi Ivan quem matou a famosa guerrilheira Dinalva Conceição Teixeira, a Dina, presa por Curió e mantida viva por alguns dias numa base do Exército no meio da selva.
No livro de Taís Morais, um dos mais cruéis dos assassinatos praticados por Ivan, foi o do estudante de medicina carioca, Tobias Pereira Júnior, o Josias, que se entregou aos militares em dezembro de 1973 e, na esperança de ser poupado, ajudou a equipe do CIE a desenhar os mapas sobre o circuito da guerrilha, detalhou planos e objetivos do PCdoB e logo em seguida foi morto a tiros.
Os casos relatados pela jornalista são todos escabrosos. O ex-deputado pernambucano David Capistrano, preso em Uruguaiana (RS) e levado por Ivan para o aparelho do CIE em Petrópolis, foi morto, esquartejado como um animal o tronco dividido ao meio foi visto pelo agente pendurado em ganchos e ensacado para ganhar destino ignorado.
Dois militantes famosos da guerrilha urbana, o estudante Honestino Monteiro Guimarães, fluminense de Itaboraí, hoje nome do Museu da República em Brasília, e Eduardo Collen Leite, o Bacuri, teriam sido levados de Brasília e de São Paulo ao Araguaia apenas para serem executados.
Há controvérsias sobre essa versão. Bacuri, segundo registros anteriores, teria sido morto em São Paulo. Ivan confirma também a execução do ex-sargento Onofre Pinto, apanhado ao retornar ao Brasil por Medianeira (PR) e levado para um aparelho do CIE em Foz do Iguaçu.