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Não haverá dificuldade para implementar o juiz das garantias em SP, diz presidente do TJ-SP

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Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo até o fim do ano e professor da USP, Manoel Pereira Calças afirmou que é "totalmente" favorável à criação do juiz das garantias, medida sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro na última terça-feira (24). 

Ele disse à Folha que não haverá "nenhuma" dificuldade em se implementar o sistema em São Paulo, que está "completamente" preparado para fazer as mudanças necessárias. 

"Sou totalmente favorável a isso. É um modo de dar ao jurisdicionado, ao réu, todas as garantias, para que ele tenha a defesa que a Constituição prevê. Em São Paulo não haverá nenhuma dificuldade. Nós temos 320 comarcas. Da mesma maneira que conseguimos implementar as audiências de custódia, e fui eu que implementei, nós vamos implementar o juiz das garantias."

A partir da entrada em vigor da lei, um inquérito terá um juiz específico para a etapa inicial, sendo esse magistrado o responsável exclusivo por autorizar medidas de interceptação telefônica e busca e apreensão, por exemplo. 

Depois, quando recebida a denúncia ou a queixa, o juiz de garantias deixará o caso, que ficará nas mãos do que a nova legislação chama de "juiz de instrução e julgamento". 

  A proposta foi sancionada por Bolsonaro contrariando o ministro da Justiça, Sergio Moro, que havia recomendado veto. A principal polêmica que envolve o tema é a dificuldade de implementação e se haverá despesas para o judiciário.  Calças afirmou ainda que acredita que a implementação possa implicar em novas despesas, mas que serão "um custo suportável". 

"São Paulo tem condições financeiras de suportar os encargos que venham daí. Claro que haverá um custo, mas é um custo suportável para São Paulo", afirmou o presidente.

O presidente falou sobre a experiência do Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais de São Paulo), setor que funciona na capital paulista e foi usado como exemplo por parlamentares que defenderam a nova lei.

"O Dipo de São Paulo é muito antigo e funciona espetacularmente. É um procedimento super experimentado", declarou.

O departamento foi criado em 1984 e desempenha função semelhante a que se espera após a criação da nova lei: os inquéritos policiais chegam ao setor e ficam com juízes que cuidam de toda a parte de investigação. Depois do oferecimento da denúncia, os casos são enviados para outros juízes.

O setor sofre críticas de algumas alas do Tribunal de Justiça, já que é formado por juízes designados livremente pela presidência e é dirigido por um juiz escolhido pelo Conselho Superior da Magistratura, e não por magistrados promovidos.

Ou seja, seus membros são alinhados à direção do TJ, que é mais ou menos rigorosa a depender do mandato, e podem ser substituídos se suas decisões desagradarem.

Diretor do fórum Criminal da Barra Funda, onde o Dipo funciona, e membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Paulo Eduardo de Almeida Sorci discordou do presidente do TJ-SP e fez críticas à lei. 

"Não tem a menor condição de implantar isso no país. Um dos únicos lugares vai ser São Paulo. E olhe lá. Mesmo São Paulo, tem muita comarca com um juiz só. Não vai dar para fazer", disse à reportagem. 

"É no mínimo inusitado nosso Legislativo inovar uma parte da legislação com isso, sendo que tem tantas outras coisas mais importantes para se fazer. Foram inventar uma coisa para atravancar. Vai com certeza fazer demorar mais [o andamento dos processos]". 

Ele afirmou que apesar da semelhança entre o departamento da capital e o juiz das garantias, as duas medidas tiveram inspirações diferentes.

"A criação do Dipo não foi inspirada na ideia de maior imparcialidade do juiz de investigação. Ele foi criado para centralizar e facilitar o processamento. E principalmente para a polícia. Se a polícia precisasse distribuir medidas cautelares para todos os juízes criminais, seria impossível ela fazer isso."

A Folha também ouviu um juiz de vara única do interior de São Paulo, de Nuporanga, que fica a 375 km de São Paulo. 

Iuri Sverzut Bellesini disse que "será trabalhosa a implementação, mas não impossível". 

Ele afirmou que não vê necessariamente um aumento de trabalho, mas que a sanção presidencial pegou todo mundo de surpresa e que são poucos os 30 dias dados pela lei para a mudança.

"Eu atuo sozinho na comarca, com duas cidades, para mais ou menos 20 mil pessoas. Não tem colega que divide comigo. Isso vai gerar necessidade de adequação dos trabalhos. Essa vai ser a dificuldade. Sobrecarga de trabalho, que é bastante volumoso, como em todo o Brasil. A bem da verdade é que vou pegar o trabalho que era de um outro juiz e vice-versa, então, ficaria empatado", disse.

"Nos pegou de surpresa. Como vai fazer essa reorganização? Só vendo para saber [se vai dar certo]", questionou.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) criou nesta quinta-feira (26) um grupo de trabalho para estudar a implementação da nova lei. Especialistas dizem ser difícil a concretização da medida. 

Nesta sexta (27), Moro voltou questionar a viabilidade da medida em seu perfil no Twitter.

"Leio na lei de criação do juiz de garantias que, nas comarcas com um juiz apenas (40 por cento do total), será feito um 'rodízio de magistrados' para resolver a necessidade de outro juiz", afirmou o ministro. "Para mim é um mistério o que esse 'rodízio' significa. Tenho dúvidas se alguém sabe a resposta." (Camila Mattoso e José Marques/FolhaPress)