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Sem intervencionismo

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Parece ter sido decisiva ou, no mínimo, insinuante à posição do Brasil junto ao Grupo de Lima, reunido no começo da semana, recomendando oposição a qualquer intervenção militar na Venezuela, no que foi acompanhado pelo voto de outros países, ainda que, no íntimo, alguns governantes tenham chegado à conclusão de que um instrumento de força tornou-se a maneira mais apropriada para remover um presidente que revela todos os sinais de descontrole, além de incorrer no crime hediondo de impedir que ajudas externas contra a fome cheguem ao alcance da população. De fato, não falta quem considere esgotados o diálogo e os recursos diplomáticos para por fim à grave crise daquele país. Mesmo no Brasil não são poucos, entre os que cercam o presidente Bolsonaro, a advogar um apelo emergencial às armas, principalmente depois que guardas bolivarianos promoveram disparos contra pessoas que se encontravam em território brasileiro. Mas esse apelo não prosperou, ainda que, para tanto, contássemos com as garantias de um amplo apoio estratégico do governo dos Estados Unidos.

A delegação brasileira andou bem, na recente reunião na Colômbia, ao remover a ideia intervencionista, considerando-a totalmente inoportuna. A representação foi liderada pelo vice-presidente Mourão, chamado a mostrar, além-fronteira, o que gosta de fazer no Brasil: conciliar e contemporizar, uma arte em que já vai despontando como a primeira figura do atual governo. Mesmo os setores de Brasília em discordância com essa vocação têm de reconhecer que ele se obstina em tarefas desse tipo. Foi o que levou o presidente a enviá-lo à reunião de cúpula. Vencida, como desejou o Brasil, ou apenas adiada, caso no futuro tenha de ceder a outras circunstâncias, fato é que a superação da marcha armada sobre Caracas corresponde a uma tradição que nossa História já traçou.

Vários aspectos podem ser lembrados em defesa da não intervenção, principiando por lembrar que todas as oportunidades têm sido aproveitadas, no correr do tempo, para a comunidade latino-americana opor-se a essa reação, mesmo que muitas razões possam ser aventada em defesa da medida extrema, isto é, a incursão armada. Ainda que uma ditadura amadurecida e apodrecida, como a da Venezuela, seja a melhor tentação para uma resposta enérgica. Para desestimular tal recurso, há também que se tomar na devida conta o precedente. Usada a força neste momento, mesmo tomando-se por base uma situação de tragédia social, realmente existente, estariam as demais fronteiras do continente vulneráveis a outros pretextos. A soberania de um estado organizado, ainda que completamente desorganizado, como o país vizinho, está entre seus direitos inalienáveis.

Observação pouco levada em consideração, por parecer, à primeira vista, um despropósito, é que os benefícios finais de eventual atitude intervencionista seriam muito oportunos para o presidente Maduro, neste momento à caça, quase em desespero, de algum argumento para unir toda população ao redor de sua insegurança. Podemos crer: nada melhor que uma invasão estrangeira para mover o sentimento do patriotismo; mesmo que seja patriotismo machucado pela fome e por outras desgraças. Portanto, bem pensada, a insistência brasileira e do Grupo de Lima em não permitir que prospere a intervenção, longe está de significar condescendência com o regime de Caracas; pelo contrário, o ardente desejo é ver aquela ditadura morrer por inanição, sem permitir que a morfina da sobrevivência lhe dê, como bandeira, as fronteiras invadidas e ofendidas.