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Um pouco de liturgia

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A Presidência da República, independentemente de quem a estiver ocupando, impõe, pela natureza de si mesma, um conjunto de normas e protocolos que não pode estar comprometido, mas distante do jeito de ser do presidente e dos que o rodeiam. A razão é de ali estar a mais alta magistratura do país; e bastaria isso para merecer respeito, a começar pela população palaciana.

Bolsonaro não parece figurar, na galeria presidencial, entre os que revelam preocupação com os rigores da liturgia de um cargo que está acima e à frente das pessoas; que prepondera e se impõe sobre situações e circunstâncias. Não fosse assim, ele não teria consentido o recente bate-boca, conversa de varejo, com o ex-ministro Bebiano, ambos protagonistas de uma peça de constrangimentos em mão dupla, agravada quando se tornou pública. É certo que as camadas mais informadas da população mergulharam na perplexidade.

Conhecidos o recente episódio e suas repercussões, o presidente poderia tomar uma atitude sensata, começando por desautorizar intimidades, que, mesmo sendo admitidas a ele, como pessoa, não se ajustam à autoridade maior da República, ainda que dele se possa desfrutar de longa e estreita amizade. Onde se viu um ministro prestes a ser demitido referir-se ao presidente como "capitão", sua velha e abandonada patente no Exército? Vê-se que o poder, muitas vezes, estimula as pessoas a colocá-lo a serviço de conversas que não convêm a autoridades e a seus amigos, todos obrigados a respeitar a liturgia e os ritos que se tornam obrigatórios em relação ao cargo ou à função. Não são admissíveis inconveniências como esse doloroso disse me disse, em viva voz, pelas redes de televisão. Pode nem ser tão grave para dois amigos que se desencontram em clima de suspeita de ofensa à legislação eleitoral, mas a austeridade da Presidência da República nada tem a ver com isso.

Obrigado a sujeitar-se a esse tipo de limitações, se não em respeito a ele, mas ao posto em que se encontra por vontade maioria popular, Bolsonaro devia curvar-se a certos cuidados, começando por lançar mão de sua autoridade e cortar tratamentos de total inadequação. Para tanto, nem se deixando convencer pela balela de que a opinião pública aprecia ver coisas importantes serem tratada com simplicidade. É perigoso ceder à falsa ideia da popularidade fácil, porque ela é fugaz, tem memória fraca, esquece facilmente os presidentes, quando estes perdem o cargo ou a liberdade. A informalidade do estadista não salva sua biografia.

Na conveniente interpretação da referida liturgia, para a qual se pede a adesão de um presidente que apenas começou o mandato, as questões essenciais vão do uso da palavra aos gestos. Como também o comportamento, dispensados, com toda certeza, os exageros de um Hermes da Fonseca, que se sentia mais respeitado com penduricalhos colados na casaca. E, ainda, esquive-se o presidente dos excessos de intimidades, a começar no âmbito da família. Há de ser assim, porque a Presidência tem patamar próprio, e quem a ocupa a nada mais deve aspirar além de uma passagem efêmera.

Bolsonaro podia dizer o que pensa a respeito dos aspectos protocolares em relação ao cargo que assumiu no primeiro dia do ano, e, de imediato, impedir que certos tratamentos resvalem para comprometer o respeito, que, se é devido a ele, muito mais ao posto em que se encontra. Nesse passo, a primeira cobrança tem tudo a ver com os ministros, por mais seguros que se sintam ou em véspera de serem defenestrados. Se não cabe o bajoujo tratamento de "general", quanto mais de "capitão"