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As fardas testadas

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Têm sido frequentes as indagações sobre o número de militares ocupando cargos de poder e expressão no governo federal, a começar pelo presidente, que, independentemente de estar em um cargo civil, mostra, com frequência, que não se desvencilhou de hábitos da caserna; a começar pela continência, que bate na testa para saudar militares ou não. Além dos que estranham tão acentuada presença em posições de alta relevância, já caminhando para meia centena, figuram os críticos, estes por acharem que, da mesma forma como os civis não se revelam adequados para tarefas peculiares aos militares (exceção no governo Epitácio, quando Raul Soares e Pandiá Calógeras foram ministros da Marinha e da Guerra) aqueles também não se ajustariam ao que está fora dos quartéis. Nem faltam os que, rememorando os idos de 64, veem o Brasil arrumando malas para retornar àqueles sombrios tempos, o que parece fruto de excesso de imaginação, ainda que a ditadura tenha seus saudosistas, também nos gabinetes em linha direta com o presidente.

Socorrem-se os governistas de uma repetida explicação: o presidente Bolsonaro é, de origem, formação e sentimento, aquele militar que nunca abandonou nos longos mandatos que exerceu na Câmara. O seu jeito de servir ao país é confiar na farda. O que conflita com esse entendimento é que o Brasil não é exatamente um quartel, não se move por ordem unida, nem se rege por regulamentos, mas por leis criadas pelo Congresso, preservadas sob a tutela de tribunais. Civis e militares podem servir, igualmente à nação, mas os instrumentos diferem entre si. O que o presidente pensariam sobre isso?

Os militares nunca deixaram de ter papel político na história republicana, não poucas vezes até à custa de arranhões e ao atropelo das instituições, fenômeno que também se daria em vários países da América Latina, ocorrente em épocas muito próximas. Por atração ou simbiose, talvez. Não se poderia dizer que, mesmo estando no país mais importante da região, os militares brasileiros teriam sido exportadores de golpes, embora em qualquer lugar se importassem e se alinhassem, sob alguns aspectos, como o temor pelo comunismo. Mas foi um produto que sempre primou pelo abastecimento ao consumo interno.

No acidentado percurso da influência política dos militares, observa-se que, diferentemente do modelo bolsonariano, preocupavam-se eles em atrair civis para os postos-chave, certamente preocupados em espanar a ploeira golpista, recurso de que o atual presidente não precisaria se valer, pois, ascendeu ao cargo legitimado pelo voto popular. Os primeiros escolhidos para o ministério de Deodoro e Floriano foram republicanos mineiros. O que não seria o bastante para redimi-los ante a História: o primeiro proclamou a República achando que estava derrubando o Gabinete do imperador, seu amigo. Floriano foi o pai dos golpes. Eram marechais, assim como Hermes da Fonseca e Dutra, os quatro celebrados entre os piores presidente que já passaram por aqui.

Dos marechais descemos para cinco generais, a partir de 64, todos senhores feudais de uma ditadura de duas décadas, com a ressalva de que o último plantonista, João Figueiredo, totalmente desafeito às funções, daria o primeiro passo para a redemocratização, embora sob suspeita de tolerância com execuções. Passando por marechais e generais, eis-nos chegando ao capitão, que agora, sem completar o primeiro mês da longa gestação, é acusado de vestir o governo de verde oliva. Porque já fez sentir, repetidas vezes, que tem entre os primeiros objetivos combater a corrupção e o clientelismo nos cargos, tarefa para os camaradas; como também extinguir o mal do nepotismo, de que se servem os poderosos para “encaixar” parentes em cargo bem remunerados.