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Explicação necessária

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Um dos pilares do estado democrático, antes de tudo e de todos respeitado pela autoridade constituída, está na ampla participação da sociedade em grandes decisões, sobretudo aquelas que dizem respeito à soberania e a segurança nacionais. Nos assuntos aí inscritos, ao lado de acurado estudo sobre consequências, é indispensável essa participação, mesmo quando o governo se sente respaldado pelos instrumentos legais vigentes. No regime presidencialista o dirigente pode muito, mas isso não o exime de pedir a manifestação da população, como também ouvir o Congresso Nacional, como se dá, por exemplo, no rompimento de relações externas ou na declaração de guerra. Foi o que se viu em 1942, quando o presidente Vargas, consciente da necessidade de declarar guerra ao Eixo, só o fez depois de o povo tomar as ruas do Rio e exigir o ato.

Não deviam escapar a tal exigência outras decisões graves, como essa oferta do presidente da República ao governo dos Estados Unidos para a instalação de uma base militar em território brasileiro. De passagem, diga-se que se trata de generosidade que ainda não deve ser totalmente tomada como definitiva, porque, salvo engano, trata-se de uma decisão pessoal do presidente. Há que se consultar outros setores dos poderes e, abrangentemente, a própria sociedade; a menos que estejamos caminhando para transformar o território nacional em quintal privado, onde tudo é permitido, desde que assim consinta o dono. Não é assim; não pode ser assim.

Para argumentar em favor da cessão de terrenos aos militares americanos, nem se poderia alegar a possibilidade de o Brasil estar em vias de sofrer ofensas armadas de seus vizinhos. Nem se pretextar que, ao ceder espaços a uma base militar estrangeira, poderia o governo alimentar expectativa bastante para disso resultar colaboração técnica às forças armadas nacionais. Então, qual a vantagem a se obter desse empréstimo?, já saudado com alegria pelas autoridades americanas.

O primeiro dever do presidente Bolsonaro nesse preocupante episódio é esclarecer um ponto essencial: trata-se de um oferecimento voluntário, ou resulta de pedido formal de Washington? Há diferença, para que sejam tratadas razões consistentes sobre a decisão a ser formalizada, além de definir responsabilidades suas e de seu governo quanto à segurança interna, no momento em que um pedaço nosso território (por menor que seja) é ocupado por tropas armadas de outro país. Outra questão que cabe levantar: a duração da permanência dessa base entre nós; um dado importante, quando se sabe que os americanos são lentos para desocupar.

Outro dever, não descartável, diante de uma decisão longe de ser apenas gesto de cortesia, é considerar a natural preocupação dos vizinhos, considerando-se que o poderio do material bélico a fustigar-lhes tão próximo é o maior do mundo. E a segurança desses países? Sentir-se-ão eles no direito de cobrar explicações do presidente, porque nem todos aos vizinhos alimentam, como o novo Brasil, as mesmas simpatias em relação aos Estados Unidos, além de reservas aos seus prontuários intervencionistas. Ou, ainda que simpáticos, não com a mesma devoção bolsonarista. Não se pode desconhecer a preocupação de outras nações nesse campo.

O inesperado acerto tem um conteúdo grave e consequente, a exigir cuidados, até porque o aval que se cobraria sobre os limites e as responsabilidades operacionais dessa base é a assinatura do presidente Trump; e ninguém sabe exatamente aonde ele quer ir neste lado da América Latina. Há dias, anunciou o cansaço de seu país em relação às bases militares no Exterior, considerando-as onerosas e quase sempre de absoluta desnecessidade. Por que estaria elegendo o Brasil para rever o que disse poucos dias atrás?