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A capilaridade do crime

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As recentes desordens registradas no Ceará, que já se prolongavam por cinco dias, para deixar a população indefesa e perplexa, não podem ser tratadas e combatidas como um fato isolado, capaz de serem explicadas como fenômeno regional. A sucessão daqueles graves acontecimentos expõe, antes de tudo, que estamos sendo transformados em um país de populações subjugadas ao crime organizado, que se ramifica e ameaça ampliar seu mapa de atuação. Os últimos acontecimentos sugerem tal preocupação.

Uma observação, que tem evidência, embora ainda não tratada suficientemente pelos setores da segurança pública, é justamente a crescente capilaridade dessa organização, via de regra comandada por líderes que, veteranos hóspedes das penitenciárias, mantêm o poder de comando; e, para exercê-lo, nem precisam de liberdade. É o que se revela duplamente grave, porque, ao mesmo tempo em que fica exposta a fragilidade do sistema carcerário, mostra a insuficiência da segurança pública, que, sem frustrar a gestão dos condenados presos, pouco pode contra os focos do crime externo. Este cumpre, com rapidez e eficiência, as ordens emanadas das celas, dos corredores e dos convescotes durante os banhos de sol. Dali operam-se com um sistema de comunicação que não tem falhado, para a infelicidade geral.

Um detalhe que justificaria maiores preocupações e figurar entre prioridades está nos sinais de certa uniformidade nacional que se vê nos revides dos criminosos. Basta que um chefe seja transferido de unidade prisional para que se produzam reações imediatas, sem motins internos, mas compensados por destruições que causam prejuízos e transtornos à população. A começar pelos ônibus incendiados, o que parece ter se tornado uma das preferências dos vândalos. É a primeira entre as mensagens sinistras do crime, o que vem ocorrendo com preocupante frequências nas grandes capitais. Como agora Fortaleza.

É na depredação das frotas de transporte coletivo que se encontra um dos elementos para denunciar que o Brasil está diante de um problema que vai se estendendo por todas as regiões, preservadas as mesmas características. Quando o chefe de uma das organizações é eliminado ou de alguma forma molestado, logo incendeiam-se ônibus em Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e, agora, Fortaleza, onde, para contrastar com a população tradicionalmente ordeira, a vingança das quadrilhas tem se mostrados de uma crueldade inaudita no trato com o patrimônio público.

De há muito, mas principalmente nos últimos quatro anos, alastra-se o banditismo organizado, que agride e rompe com o patrimônio civilizatório dos estados do Sul, e, subindo, faz do Espírito Santo um dos estados mais inseguros, maltrata o Rio de Janeiro e suas paisagens, para continuar escalando na sua incrível capilaridade.

Para os casos emergentes, como agora se dá com o estado cearense, o remédio a que se recorre é a mobilização de tropas federais, destinadas à colaboração emergencial, com prazo determinado para chegar e para sair de cena, quase sempre sem que esteja contornado o problema. Levam sua contribuição, mas, quando muito, o que conseguem é reduzir as incursões dos malfeitores ou tirar alguns de circulação. Permanecem incólumes, contudo, os encarcerados que inspiram e comandam toda a operação destruidora. Afora o fato, que também convém levar em conta, que para enfrentar a montante das ações dessas quadrilhas, nem sempre será possível remeter forças militares federais, não preparadas para esse tipo de missão. Se alguma coisa for possível, que seja confiada às polícias estaduais, dependentes de urgente e adequada preparação.

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ceará | crime | editorial | jb