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Começar a conversar

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Chegando a segunda semana de janeiro, passadas as comemorações pela posse festiva dos governantes, cada um em seu posto para dar largada à missão político-administrativa que os aguarda, o primeiro passo, com garantia de alguma prioridade, é traçar a linha de diálogo com o Congresso, sem que se saiba a quem ou a quais assessores será confiado esse trabalho nos momentos mais delicados. Duas razões imperiosas confirmam que é por aí que a caminhada do governo tem de começar: a primeira, sem maiores dificuldades para compreender, é que os avanços prometidos no campo de reformas ditas como essenciais, dependem do crivo parlamentar. A segunda razão é que a legislatura que se instala no primeiro dia de fevereiro tem parte de seu contingente constituída de novatos, sem maiores conhecimentos dos meandros da máquina das tramitações. Muitos dos que conhecem e dominam os segredos são os veteranos; e, dentre eles, vários já com mochilas prontas para atua na oposição.

Para dispensar a necessidade de apurar outros exemplos, mas justificando a importância de produtivas relações com as bancadas, a questão que surge de imediato é a proposta de reforma da Previdência. Ainda que tendo sido simplificada, com o propósito de remover o maior número possível de arestas, a matéria ostenta certos aspectos de complexidade, da qual surgem dúvidas. E é na carruagem desses pontos duvidosos que vão embarcar os oposicionistas, certamente. Vê-se, pois, que o palácio tem de estar preparado para conduzir, com paciência e talento, a arte de dialogar.

Quais os temores quanto às relações com deputados e senadores, no momento das negociações? Resultam, sobretudo, do estilo pessoal do presidente, que, a considerar seus pronunciamentos, aprecia o método de ordens a serem expressamente cumpridas, o que até pode ter alguma validade no campo administrativo, mas duvidoso quanto às questões políticas. Não fazendo parte do perfil de Bolsonaro o ceder e tolerar os desagrados, o governo pode caminhar para se tornar um palácio de angustiados.

Quando se desova a questão difícil e ao mesmo tempo essencial das conversações no campo parlamentar, não faltam insinuações de correligionários de que essa dificuldade estaria superada na sua própria origem, porque os partidos saíram desgastados do recente embate eleitoral, enfraquecidos; mas essa parece ser uma análise superficial, porque, estando fragilizados, o que é real, exigir-se-á um esforço redobrado do Executivo, obrigado então a tratar isoladamente com parlamentares ou com os blocos. Escassearam alguns dos grandes líderes, capazes de promover intermediações rápidas e objetivas, o que torna mais rigoroso o teste para os interlocutores do presidente e dele próprio.

É preciso que a equipe Bolsonaro tenha em mente a experiência, ainda morna na mesa de Michel Temer sobre o diálogo com o Congresso; exatamente ele, tão atento, tão concessivo, e nem por isso escapou de dificuldades e deslealdades, como se demostrou no fracasso da tentativa de tramitação do primeiro modelo da reforma da Previdência. O presidente, confiando tanto na capacidade do entendimento com as duas casas legislativas, chegou a definir seu governo como semiparlamentarista. Nem tudo conseguiu, embora desça a rampa do Planalto podendo substituir a faixa de presidente por outra, se existisse, para defini-lo como o que mais prestigiou a força política do parlamento. Exerceu um jogo de cintura contorcionista aliado à paciência bíblica de Jó e um fígado tolerante. Como será a disposição hepática do novo presidente?