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Abono da corrupção

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Em distantes pontos do país, não apenas em capitais e cidades médias, consta, como fato desagradável, que muitas empresas e principalmente prefeituras estão impossibilitadas de liberar as folhas do décimo terceiro salário, sendo que em Minas a polícia ameaça greve, se não receber no prazo legal. Esse mesmo risco é objeto de temores em outros estados, todos ombreados na mesma linha de dificuldades financeiras. Há casos em que tal indigência chega neste mês para se juntar à inadimplência que vinha de novembro. Mais desagradável ainda saber de casos, não tão raros, em que o benefício natalino do ano passado foi para as calendas.

O que justifica lembrar tal situação, além do lamentável transtorno causado a trabalhadores e funcionários, é o terrível contraste, um capricho da crise financeira moral que se hospeda no Brasil nos últimos tempos: ao tempo em que faltam recursos para empresários e prefeitos honrarem o compromisso de fim de ano, dirigentes de órgãos públicos estaduais e federais não se vexam de colocar seus poderes a serviço da corrupção e dos interesses pessoais. As dificuldades que correm o país em todas as direções, e disso o Rio de Janeiro não escapa, permitem lembrar o que recentemente foi descoberto pela Polícia Federal em relação ao governador Pezão. Com ele e para ele a desfaçatez ultrapassou os próprios limites, pois, além de um alto salário mensal pago pelas fontes corruptoras, recebia décimo terceiro e bônus anuais...

Quando o crime praticado por agentes políticos, e ninguém menos que três ex-governadores e o atual fluminenses, e a degradação moral chega a um ponto que se torna impossível imaginar algo pior, a conclusão é que, para a tristeza nacional, a corrupção institucionalizou-se; quer dizer, virou prática normal nos ambientes do poder. Deixou de ser o discreto prêmio por vantagens concedidas, para fazer parte do cotidiano dos gabinetes oficiais. O governador Pezão, que é o exemplo mais recente, mas não o único, vinha recebendo a propina em dias certos, como se fossem carnês mensais e iguais; nada tão escandaloso e desmoralizador.

Dispensam-se outros exemplos para se afirmar que, graças a uma legislação longamente adormecida, omissa e tolerante com a bandidagem que prospera graças os maus agentes políticos, a corrupção já passou a fazer parte das relações institucionais; relações promíscuas e viciadas entre os donos das licitações e os premiados prestadores de serviços. Vale insistir no que já se ouviu de vozes autorizadas: não basta correr atrás dos bandidos e prendê-los. É preciso, com igual presteza, destruir o covil em que se armam as concorrências fraudulentas e onde se homiziam os que se corromperam. Esse esconderijo, que dá cobertura, esconde, camufla contratos e elabora editais com endereços certos, é que tem facilitado o crime. Se não for eliminada a estrutura de tolerância e da permissividade; se os tribunais forem padastros, quando precisam ser madrastos; se não forem rigorosos na aplicação da lei em nome dos bons costumes, outros virão afagados pela impunidade.

Voltando as atenções para milhares de pessoas que veem escapar seus mínimos direitos, como esse acréscimo natalino, ao mesmo tempo em que os maus se locupletam, a triste conclusão é que o brasileiro honrado vai sendo expulso da vida nacional, ou caindo para segundo plano, porque os espaços estão com os maus. Isto é que tem de acabar, para o povo ser dono do dinheiro e dos destinos de sua terra, porque, como certa vez, no Recife, disse Tobias Barreto, no país onde o povo não é tudo; então o povo não será nada.