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O sonho universal

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A passagem do septuagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a grande carta de alforria da dignidade dos povos e de cada cidadão que deles faça parte, autoriza – exatamente hoje, seu aniversário – uma reflexão sobre em que o grande sonho já despertou para a realidade; e o quanto, ainda que tão desejado, continua sendo um anseio não atingido pelas minorias. Fruto do consenso dos integrantes das Nações Unidas, tendo o Brasil como um dos primeiros subscritores, elaborado a muitas mãos, três anos após o pesadelo de uma guerra mundial, o notável documento permanece como grave recomendação aos signatários e aos estados soberanos que vieram depois, para fazê-lo respeitado, e, sem descanso, persistir na busca da paz ainda incompleta e tudo que dela decorre. Sem essa harmonia a dignidade humana desce ao pior de todos os níveis, pois a fome, a miséria, a violência, a degradação são filhas diletas e herdeiras da guerra.

A Declaração não foi em vão, porque, depois de proclamada, a consciência humana prosperou. Não há como negar. Milhões deixaram de ser escravos, os direitos, se não amplamente acatados pelas classes dominantes, tornaram-se mais conhecidos. E não foi condenada a se tornar mero documento de ideais românticos. Sempre dá o que pensar, sensibiliza os bons e incomoda os maus. As gerações, depois dela e por causa dela, puderam conhecer importantes avanços. Como também carrega um triste anexo de ressalvas, dedicado aos lugares do planeta em que multidões continuam padecendo de infortúnios, entre os quais a fome.

Setenta anos depois, os enunciados, reunidos em trinta artigos, não capitularam ante os desafios que sacudiram as nações contemporâneas. Maravilhoso, se tais princípios resultaram em conquistas reais; se não, permanecem como desígnio e alento; ou como esperança para todos os direitos.

Reza que a dignidade humana tem de estar a salvo dos atos de barbárie, como certas brutalidades que com alguma frequência provocam horror a quem olha para países africanos e asiáticos, onde ainda se aplicam suplícios inconcebíveis, sobretudo contra mulheres e jovens derrotados nas disputas tribais. A África, seja pelos excessos praticados em nome de culturas selvagens ou ditaduras sangrentas e cruéis, é o continente que continua distante da Declaração.

A Organização das Nações Unidas recomenda o aperfeiçoamento da fraternidade entre os estados independentes. É uma proposta que tem progredido substancialmente, o que se acentua graças ao reconhecimento de que nenhum povo pode ser uma ilha no oceano universal; e seguramente a prosperidade tecnológica tem contribuído muito para consolidar esse ideal. Mostra que o mundo é pequeno demais para permitir distâncias que não possam ser encurtadas.

Também lá se proclamou há setenta anos, e ainda hoje se repete, com palavras que não permitem duvidar: as pessoas, nascendo sob a égide da igualdade, são respeitadas pelo que falam e escrevem, resultado de poder pensar e expressar o que lhes parece ser o bem e o mal, o bom e o mau. O direito de dizer, responsavelmente, o que se pensa. Eis aí a imprensa, que, quando cai e cala, é sempre a véspera das ditaduras. “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”, está claro no décimo oitavo artigo.

É uma data feliz, digna de ser comemorada, pelo que é e pelo que dela ainda se espera.

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editorial | jb