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Polemizar é preciso?

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Os analistas políticos americanos e estrangeiros passaram a entender melhor o presidente Trump, não restando mais dúvida de que a marca de seu perfil é a capacidade de promover polêmica; e tem demonstrado sobejamente que não conseguiria viver sem elas. De maneira que essa passou a ser sua dialética, mas também dando ao mundo o direito de nem sempre levar a sério o que diz. No Brasil, seu confesso admirador Bolsonaro parece tender para uma linha semelhante. Polêmico sobre as questões-chave que pretende para o novo governo, que começa dentro de mais alguns dias, seus ministros seguem-lhe os passos nesse particular. Há casos frequentes em que não sabem exatamente como transmitir o pensamento; e, quando dizem, é evidente a intenção de polemizar, antes mesmo de definir objetivos.

O presidente e seus porta-vozes inclinam-se a lançar temas para discussão e controvérsias nas mais diferentes áreas. E esperam para ver as repercussões. Já são conhecidos casos em que, deixados no ar os temas, ficam sob o risco gerar conflitos. Por exemplo, quando se insinua a destinação da causa indígena ao ministério da Agricultura, ideia que coloca ombreados dois povos que não se dão - os agricultores e os nativos. Os futuros governantes sabem muito bem disso. E bastou falar sobre a possibilidade, para que as aldeias se pintassem para a guerra. Trava-se a polêmica e o governo se recolhe, para assistir, de camarote, o que os brasileiros pensam desse casamento social e politicamente incestuoso.

Quando é proposta convivência entre setores tão diferentes, mesmo negando a real intenção de despertar hostilidades, entenda-se que, pelo menos, pretende-se evoluir uma querela para o campo da polêmica. O presidente americano tem se revelado perito nessa arte, mas certamente tem outras coisas em sua agitada personalidade que pudessem ser xerografadas na Barra da Tijuca. Pois foi logo o jeitão de acirrar divergências o que se importou; e tal como lá, aqui, dependendo das repercussões, dá-se um passo atrás ou à frente. Trump também faz isso com competente rapidez.

Há quem admita, e não são raros, que essa é a melhor receita para manter a sociedade em permanente clima de divergência em torno dos temas essenciais e que falam ao interesse coletivo, herança da campanha eleitoral bem sucedida, que deve ser mantida: se fez bem ao candidato, por que não faria melhor ainda ao presidente? Pode ser que não estejam inteiramente equivocadas as cabeças chamadas a orientar o governo e a equipe que vai conduzi-lo. Pode ser. Mas convém que esses homens que vão desembarcar no Planalto vejam nisso o perigo de gerar ou precipitar tensões desnecessárias, o que certamente não preocupou dona Damares, ministra da Mulher e da Família, ao fazer precipitar para a esfera do governo a complexidade de um tema como o aborto, quando o esforço tem sido no sentido de ver o assunto esgotar convergências e divergências entre setores religiosos, não o governo. Falando mais como pastora evangélica e menos como ministra, ela desarquiva um problema que ainda tem caminhada longa nos terrenos da ética, da moral e das convicções religiosas.

Em Washington, aficionado por tudo que provoca opiniões contrárias, o presidente tem carregado sacolas de produtos conflitantes, um dos quais logo seguido pelo colega tupiniquim, quando foi rastrear pólvora em Jerusalém, velha pendenga entre judeus e palestinos, sem que ao Brasil pudesse caber qualquer pedaço de interesse nisso, mas um latente prejuízo comercial.