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O presidente e o aiatolá

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Um sagrado dever dos homens que se responsabilizam pelo poder, bem entendido como a responsabilidade do “poder sobre os que não podem”, é, antes de todos, saber ser indulgente com ideias e sentimentos contrários, estejam eles na política, na ideologia ou nas crenças religiosas. Toda vez que se romperam relações respeitosas nesse campo o mundo tendeu para grandes conflitos. Um deles, interminável, tem mantido o Oriente Médio sob tensões e imensos sacrifícios. Considera-se, então, que em nenhuma circunstância são admissíveis ações excludentes e preconceituosas, porque nesse caso os direitos das pessoas e das sociedades sucumbem.

O excessivo envolvimento de convicções religiosas na política, ou vice-versa, pode criar imensas complicações, além de condenar grupos e facções a constrangimentos e intolerância. Exemplos, por este mundo a fora, mostram que a incapacidade de manter respeito mútuo também pode levar os países ao desgoverno e ao desmando. Nesse propósito os maus políticos confundem laicismo com ateísmo; e, de sua parte, muitos líderes de seitas não hesitam e pecam em dar à onipotência o mesmo tratamento dispensado a produtos descartáveis. O santo nome em vão.

Os excessos que aí se praticam são perfeitamente visíveis nos países subjugados à ditadura dos regimes teocráticos, onde em geral se conciliam a limitação de direitos e intolerância religiosa. Na Ásia situações dessa natureza são comuns, com restrições à liberdade. O mundo sabe, há séculos, que isso não dá certo, além de concorrer para involuções sociais.

O futuro ministro da Justiça, despiciendo lembrar, chega incensado por seu presidente como portador de carta branca e poder intocável para fazer com que prevaleçam a lei e a ordem neste país. O que permite confiar em que a Constituição também será intocada quanto à preservação do estado laico; assim sendo para que sejam protegidos todos os pontos de vista e tendências confessionais. Desejando-se que os religiosos e suas igrejas sejam respeitados, é preciso que os governos não tenham preferências sobre aras e púlpitos, sem que se exclua o direito de os governantes crerem no que lhes parecer melhor. O doutor Sérgio Moro sabe tudo sobre isso. Estima-se que sua autoridade leve o governo a impedir ofensas ao estado laico, porque já se perdeu na poeira do tempo monárquico a influência religiosa na condução dos interesses do império.

O modelo que prenuncia o governo do presidente Bolsonaro tem autorizado que se levante essa questão, porque, segundo setores da sociedade brasileira e na opinião de observadores do Exterior, sua viagem rumo ao Planalto levará duas tendências extraídas dos discursos que pronunciou; ambas perigosas, se tomarem o rumo da radicalização. A primeira são suas indisfarçáveis simpatias por métodos direitistas, o que nem constitui novidade, pois são antigas as restrições que faz à esquerda, na qual vieram se inspirando os presidentes petistas. A incursão pela direita será breve ou se prolongará, dependendo dos resultados.

O segundo corte no modelo da próxima gestão recomenda policiar a excessiva influência de alguns grupos religiosos, que já se têm feito presentes antes mesmo de o governo começar. Não que lhes seja cassado o direito de sugerir condutas, porque isso a todos é permitido. O que não se espera que aconteça é que esse direito resulte na elaboração de vetos a decisões de natureza política. Reconheça-se, é questão sensível, pois pode ser tomada como preferência a segmentos de fé mais distantes do presidente. Contudo, só com amplo exercício de más vontades para confundir a defesa dos poderes constitucionalmente laicificados com a exclusão da manifestação de convicções religiosas.

Vejamos que no Brasil a Constituição não é teocrática, e o presidente não é exatamente um aitolá.