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O possível e o necessário

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A incapacidade de grande maioria dos presidentes corresponder às expectativas das multidões que os elegeram tem gerado um rápido rompimento com as bases de sua popularidade, fenômeno que hoje se alastra pela Europa, particularmente na França e Alemanha, avança para a Argentina e Estados Unidos, entre outros países que vivem o mesmo clima de frustração em relação aos dirigentes recém-empossados. Com o mesmo vigor com que os elegeram, os números despencam na queda livre da decepção. E costuma ser muito difícil a retomada do antigo prestígio; quando muito, seus governos ficam envolvidos num clima de indiferença.

(Para se ver hoje o que sempre se viu: em política, a popularidade é um fenômeno que não perdoa: ou aplaude ou devora).

Os candidatos aos mais altos cargos executivos são levados a prometer mais do que podem dar, pressionados pelos sentimentos do eleitorado, qualquer que seja seu nível intelectual, de preferir esperar grandes façanhas. Ao aplaudir, os votantes e os candidatos tiram os pés do chão para flutuar na irrealidade e no impossível. Em relação aos europeus da atualidade – e Deus permita que não aconteça para os nossos lados - vê-se confirmar o que muito se constatou, em tempos mais recentes, naquele continente: o muito prometer é irmão gêmeo do pouco realizar. E, neste momento, para aprofundar as dificuldades que geram descontentamento, há indisfarçáveis divergências em relação à imigração emergencial. Os governos, à exceção do húngaro, temem as consequências da indiferença frente ao desafio humanitário; mas milhões de eleitores reagem ao risco da deterioração cultural, que já dramatiza a França. Qualquer que seja a opção, os desgastes surgem inevitáveis.

A impopularidade a que se assiste nesses países nem sempre faz justiça às suas vítimas, e nem se poderia dizer que o Brasil poderia ser citado como exceção. No começo do século passado, Campos Sales, que dividia com Rodrigues Alves a fama de presidente mais eficiente da Velha República, gestor de uma economia severa, teve que deixar o Rio em vagão blindado, para se safar das pedradas do povo descontente. Muito mais tarde, a despeito de realizações hoje celebradas, no seu tempo Juscelino foi crucificado na inflação, e não teve como impedir a vitória de seu opositor. A imensa popularidade não demoveu Jânio Quadros da renúncia, sete meses depois da posse festiva. Diria depois, o mais temperamental dos estadistas, que o povo não gosta de amar; gosta é de odiar. Morreu impopular.

Essa oscilação de prestígio costuma ter desdobramentos infelizes para as instituições; e também aí tivemos passagens perigosas. Mas tudo e sempre tem origem em um fator de influência incontornável, como explicaria Max Weber, ao desenvolver, para os governantes, a ética da responsabilidade frente à ética da convicção. Um presidente não pode cumprir tudo quer promete, e não pode ser demitido por isso. O senador carioca Artur da Távola, morto há dez anos, fez uma reflexão sobre a tese do pensador alemão, para acrescentar que o presidente perde popularidade porque se vê diante de dois polos éticos: o do pensamento e o da responsabilidade; entre o que tem vontade de fazer e o que é possível fazer, considerada a realidade do país.

Em suma, presidentes da República, os que foram e os que virão, não escapam da verdade inconteste: administrar um país é apenas a arte de conciliar o necessário com o possível, mas sabendo que fica com a popularidade comprometida.