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Intervencionismo moderado

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A apresentação dos primeiros nomes para conduzir a política econômica do governo Bolsonaro insinua, com base nas percepções de cada um deles, a tentativa de tornar mais discreto o modelo do intervencionismo estatal, como forma de ampliar espaços para a iniciativa privada; e bastou a insinuação para que a Bolsa e o dólar repercutissem, antes mesmos que os especialistas se pronunciassem sobre reais expectativas em relação à ideia da nova equipe. Num primeiro momento, o anúncio parece prometer a demolição do edifício burocrático, denunciado pelos meios empresariais como o poderoso instrumento de atraso e desnecessário encarecimento do produto final. Seriam as malhas do governo recolhidas ao mínimo indispensável. Como insistia Michel Crozier: o Estado moderno deve ser o Estado modesto.

Para mostrar que a derrubada desse modelo requer grande disposição e pertinácia, sem que seja possível esperar resultados imediatos, basta lembrar que a luta que agora pretendem contra a intervenção estatal é antiquíssima, com experiências colhidas ou fracassadas por vários países, sendo que no Brasil vicejaram nesse campo os sonhos no ministro Hélio Beltrão. E muito antes, no meio milênio que antecedeu a Cristo, o velho Lao Tse pretendia isso para a sua China, e fracassou. Contra proibições e restrições, o filósofo escreveu o que ainda hoje se sabe: quanto maior o número de leis e decretos, mais infratores e corruptos haverá.

Esta breve divagação serviria, ainda que modestamente, para lembrar que os vícios herdados do cartorialismo já viveram tempo hábil para se protegerem; como os velhos cascos de navios, que se consolidam na própria ferrugem que produzem. Atentem, pois, os ministros e assessores do novo presidente, quando esbarrarem em antigas resistências, pois essa terrível máquina governamental que cria dificuldades, de há muto ganhou defensores entre funcionários exímios em construir e remover obstáculos, o que para muitos torna-se generoso complemento salarial. É a corrupção facilitada na multiplicação das regras intervencionistas do governo. O avô do futuro presidente do Banco Central, que pelo nome se conhece, Roberto Campos Neto, acrescentava outra queixa: o estatismo leva o Estado a fazer mais do que deve na economia e menos do que deve no social.

A redução dos muitos obstáculos burocráticos, que têm significativo peso na vida da sociedade, sem que se perca de vista que se trata de um calvário a ser trilhado, não se antepondo apenas aos resultados produtivos, é um projeto que não pode deixar de se bipartir. O que significa cuidar também do cidadão comum, condenado a ter boa parte da vida consumida em filar e caçando certidões e carimbos desnecessários. Porque isso não deve ser menos importante que a remoção das complicações que afetam a participação brasileira no mercado exterior. Vale a pena refletir, porque provavelmente os homens que o presidente eleito está convocando para cuidar da economia direcionem sua ótica apenas aos negócios da área em que já vêm militando. E os problemas que pretendem enfrentar vão além, pois agridem a vida das pessoas no dia a dia comum, não apenas o mundo empresarial e os exportadores.

Quando se percebe que as relações internacionais vão impondo crescentes simplificações, é preciso que se faça alguma coisa para que o país se torne menos fechado e adote uma dinâmica que lhe permita competitividade no mercado. Mas sem ignorar que as atividades internas merecem o mesmo cuidado que vem sendo esperado dos homens da economia e das finanças.