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Sem arroubos da campanha

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Tem-se revelado delicada a missão de fazer com que o governo e seus opositores entendam que já vai passando a hora da obrigação comum de apear da campanha eleitoral, primeiro passo para que tanto um como os outros assumam as responsabilidades de realizar ou fiscalizar. Os arroubos da batalha pelos votos já não fazem sentido, nem podem ter vez, se o teatro fechou as cortinas depois do último ato, e mostrou quem venceu. E é sobre estes que vêm se revelando os principais descuidos, o mais recente dos quais o anúncio do rompimento do tratado com o governo cubano na alocação da mão de obra de médicos, o que se interrompe como opção unilateral.

O novo governo identifica relação injusta dos trabalhadores com o regime de Cuba, o que é verdade; mas isso é resultado de contrato desses médicos com seu país. Esse documento, por mais perverso que seja, é o ponto de partida para definir que ao Brasil não cabe direito de interferir nem pesar nas responsabilidades contratuais. A intenção podia ter sido antecedida de consultas, em atenção aos interesses comuns. Muitos desses cubanos, tão logo chegaram, foram despachados para localidades ermas, onde os profissionais brasileiros, por comodismo e por suas raízes urbanas, não querem estar. Se devolvidos os estrangeiros, é preciso considerar que alguns milhões de pacientes tornaram-se seus dependentes no interior inóspito.

Se ocorre precipitação no caso dos cubanos, não é de assustar que, ainda na linha dos arroubos, tenha sido prometida uma vertical redução na fartura de ministérios, o que também é desejável; mas uma tarefa não tão simples, como seria do desejo do presidente e seus acólitos. Prometeu-se a incorporação do setor de meio ambiente ao ministério da Agricultura, mas logo se sentiu ser isso politicamente inadequado. O ministério do Trabalho, que já tinha corda no pescoço, vai sobreviver.

Um ministro, de olho em mercados mais amplos, diz que o Mercosul não figura entre as prioridades; vem outro, de responsabilidades mais diretas no caso, e garante que não é bem assim. Choques de opiniões e propostas polêmicas nas futuras relações com o Exterior já seriam dispensáveis, considerando-se problemas assaz delicados na pauta, como a escolha de Jerusalém para sede da embaixada no estado de Israel. Nada mais irritante para as nações árabes e mais constrangedor para nossas relações comerciais com elas.

Arroubos e atos repentinos tornaram-se suspeitos e indesejáveis desde a campanha, quando considerável parte do eleitorado gostou de ouvir coisas sensacionais. Nesse mesmo padrão, figura a ideia de decretar a morte do meliante ao portar fuzil, de forma que seja eliminado antes que atinja o policial, receita que se incorporou principalmente ao cenário de insegurança no Rio de Janeiro. Combater a violência com outra violência. Mas paira uma dúvida em relação às consequências desse comportamento, porque se o governador deseja e o comandante ordena o tiro, quem o dispara é o policial, que sobe o morro e enfrenta a favela. E será dele a responsabilidade pela consequência do ato, processado e a caminho da condenação.

Há palavras e promessas que são do agrado de uma parcela da população votante, a mesma que advoga soluções rápidas e radicais. Ela reflete e retrata o momento de perplexidade da sociedade ante os dissabores que tomam parte no seu cotidiano. E os candidatos, menos ou mais responsáveis, seguem à risca esse desejo para não perder votos. Mas chega o momento em que é preciso desvestir o que não é possível, o que não é devido, porque logo ali à frente não mais está um eleitorado ávido de soluções rápidas, mas a concretude da governança, que não se dá bem com os arroubos.