ASSINE
search button

Penas mais severas

Compartilhar

Entre outras prioridades já comentadas, o futuro ministro da Justiça pretende cuidar da progressão penal, que, no atual modelo, é considerada uma das mais generosas do mundo, tomando-se em conta a opinião de juristas estrangeiros, quando estudam nossas leis e se espantam diante de algumas delas. A revisão da matéria é promessa do doutor Sérgio Moro, certamente cansado de observa que prisão, no Brasil, quase sempre obedece a uma escala social, de forma a tornar-se benevolente com os criminosos mais poderosos, que dispõem de recursos para produzir progressão ou acumular revisões infinitas de sentenças prolatadas em todas as instâncias. O que tem levado a situações singulares em que a lei e a justiça são diminuídas, como o caso do parlamentar condenado, que cumpre mandato durante o dia e à noite dorme na cela.

O que autoriza a perplexidade: ou não se trata de uma pena justa perante a lei, ou a sociedade é ofendida, por ter um criminoso legislando em seu nome. Não menos singular, o caso da jovem presa que matou os pais para apressar a herança, e no Dia das Mães é liberada para ir ao túmulo carpir saudades.

Pode ser que nem tudo da lavra do juiz Moro tenha aprovação geral, e realmente não tem. Mas não há como discordar quanto a regalias que precisam ser reestudadas; e a progressão da pena, tal como é aplicada, figura entre elas. Já se disse que neste país é mais fácil sair da cadeia do que entrar: pelo muro, por ser vulnerável, ou pela porta da frente com a ajuda da própria justiça. Entre muitos casos que se repetem, na semana passada, em Minas, pela undécima vez foi preso o bandido que aplica soníferos em suas vítimas para facilitar o roubo, o que confessa ter feito mais de trinta vezes, e espera passar o Natal em casa.

A liberalidade com que se concede a progressão, entre outros benefícios, tem algo a ver com a reincidência na prática delituosa, o que também nos garante lugar saliente entre os países que padecem desse mal. Nos relatos sobre alguns tipos de crime os apenados que reincidem e voltam à cadeia, depois de serem agraciados, representam 56%. Certamente porque a facilidade para sair não horroriza o risco da volta. O dado é o mesmo que põe em ciranda o sonho de juristas e educadores quanto à reinserção do sentenciado na vida comunitária.

Considerada a realidade criada no campo das relações entre a lei e os que a ofendem, é pouco provável que o novo ministro encontre maiores resistências entre os especialistas, e mesmo entre os jurisdicionados.

Mas, se pretende mesmo que os criminosos permaneçam presos mais tempo, para cumprir o tempo da sentença, e ante sua insistente pregação contra a corrupção e seus agentes, que então o ministro trabalhe, com o mesmo afinco, para que os orçamentos federais sejam mais receptivos aos projetos de ampliação da rede penitenciária. Na rede de cárceres atual não há espaço físico em condições mínimas para abrigar tanta gente que o doutor Moro pretende tirar de circulação. É claro que se a justiça apertar a vida dos criminosos já cumprindo pena, mais a multidão dos que vão chegar, o país estará caminhando para presenciar tumultos com graves consequências.

Não se pode saber se, por ironia ou mesmo por se fiar na realidade que todos conhecemos, uma eventual contestação do projeto do futuro ministro poderia lembrar que o regime penitenciário brasileiro tornou-se tão cruel e deficiente, que quem ali passa um ano pode dizer que passou dez. Sente-se mais que perdoado, com direito a sair e reincidir.

Tags:

editorial | jb | justiça | moro