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O Rio à deriva

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A incidência da corrupção no Rio de Janeiro, que lastra como peste, acabou assumindo proporções verdadeiramente alarmantes, totalmente fora de controle. A propina graça nos gabinetes de todos os poderes, que vêm se aproveitando de generosas temporadas de impunidade, esta outra moléstia, na qual se escoram bandidos e corruptos. Nesses gabinetes há exceções, mas tão raras, tão asiladas em cargos e funções inferiores, que nem vale cuidar delas para servir de exemplo. Esse quadro sombrio, em cruel coincidência, acontece quando, há exatos cem anos, esta cidade quase saiu dizimada por outra peste, que corrompia a saúde, a Gripe Espanhola. As pessoas corriam pelas ruas pedindo remédios, como hoje andam, pedindo um pouco de moralidade.

Na semana passada, para espanto das pessoas de bem, assistiu-se a uma verdadeira calamidade moral, quando serviços de interesse dos cariocas entraram em crise, a começar pelo setor de transportes, com dezenas de veículos estacionados, sem poderem trafegar, porque faltava a indispensável rubrica do diretor do Departamento de Trânsito. Por onde estaria andando esse diretor? Havia sido preso por agentes da Polícia Federal, depois de terem sido reunidas contra ele provas de corrupção explícita.

Aonde ir depois o cidadão? Espoliado, pagante de imposto, sabendo que seu dinheiro será roubado, num primeiro ímpeto ele procuraria a polícia, mas pode acabar perdendo a vida nessa aventura. Qual polícia e onde, se boa parte de seu contingente migrou para as milícias, que nada têm a ver com a sociedade, pois seu compromisso é dar paz e segurança ao crime organizado, não à lei desorganizada? Abandonado e sem rumo, o carioca poderia bater à porta do governador, mas ele, além de já ter obtido passaporte para ingressar no painel das suspeições, tem de dar plantão para improvisar substituições nas repentinas vagas, pois os agentes da polícia chegam sem avisar.

Sem o governador para socorrer o pobre habitante deste Estado do Rio, alguém teria a luminosa ideia de correr à Assembleia Legislativa, casa política do povo, integrada por homens e mulheres que, em certo dia esquecido, juraram defender o povo. Mas para nova decepção nada feito. Não há quórum, porque no último e oportuno “arrastão” que os federais promoveram nas bancadas, nada menos de dez deputados foram presos. Sim, presos, pois não há entre eles um único aspirante digno de ser contemplado como o eufemismo “apreendido”. São veteranos na arte de corromper e se deixarem corromper. Mais uma frustração para o cidadão desvalido.

Ora, sem polícia, sem governador, sem deputados, o que resta é apelar aos bons ofícios do Tribunal de Contas, onde os conselheiros têm obrigação de vigiar os gastos, expurgar as excrescências, corrigir e aconselhar, para que eventuais erros não se repitam. Mas, se não bastassem tantas decepções, uma nova perplexidade: há conselheiros presos, e outros, temendo a mesma sorte, procuram encurtar os expedientes. Ser discreto é conveniente, quando a polícia ronda.

O quadro com que temos sido contemplados, sob esperanças distantes, mostra que a intervenção federal na segurança pública encarou apenas um lado da criminalidade. O que se vê na administração pública não é muito diferente do que se pretende combater nos morros. A bandidagem também prospera com colarinho branco e em grandes recepções de gala.