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Deveres em mão dupla

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O jogo do poder político, na sua simultaneidade, e sob a razão natural de que os governos não se limitam apenas aos que são constituídos pelos votos que lhes foram favoráveis, deixa claramente exposto que os deveres também são abrangentes quanto aos não vitoriosos. Correm em paralelo, sem que se mostrem reduzidas as responsabilidades dos contrários. Na verdade, sobre a oposição pesa a função democrática essencial: não pode ser excessivamente intolerante, muito menos irracional, mas atenta e fiscalizadora. Perece que retomar à lembrança tal certificação é mais que cabível e oportuna no dia em que o presidente da República recebe a quem em breve chegará para sucedê-lo. Pode ser que tenham de continuar trilhando caminhos diferentes.

O presidente a ser proximamente diplomado já dispõe de elementos para traçar o modelo da oposição que terá de enfrentar, liderada pelo Partido dos Trabalhadores e seus aliados de esquerda; esses mesmos que o criticaram severamente de certo haverão de lançar mão do enredo que arregimentou quase metade do eleitorado, dado que, no entendimento de seus dirigentes, justificaria manter vivos os temas do discurso de campanha. Mas acima de tudo - e levará algum tempo – cobrar o que, tendo sido prometido, não estaria sendo cumprido. E isso o governo entrante, ainda que a contragosto, tem de compreender e respeitar.

Os melhores exemplos de políticas contrárias, vale considerar, indicam que, sendo ouvidas, não raramente fazem de suas críticas sinais proveitosos para os governantes corrigirem atos e projetos. Uma utilidade por acréscimo. Muitas vezes se constatou, no Brasil e longe daqui, que o poder Executivo se salvou perante a História por ouvir, com a grandeza da humildade, defeitos nem sempre perceptíveis nas entranhas do poder. É preciso estar do lado de fora para sentir. Só os ditadores não percebem isso; ou melhor, percebem, mas julgam suas forças superiores a tudo.

Frente a tão importante missão, os oposicionistas, sem abrir mão de sua grave tarefa construtiva, têm de desempenhá-la em condutas que não se deixem trair pela tentação da vingança, sobrevivente do dolorido revés das urnas. As responsabilidades políticas estão acima e além de sentimentos menores. Pois bem. O resultado da disputa eleitoral, da mesma forma como transferiu o ônus do poder aos vencedores, delegou aos que não lograram êxito o dever de fiscalizar, tão severamente quanto for necessário.

Em suma: assim como é impensável aos governistas acharem que é sábio e inquestionável que tudo vindo de suas decisões faz bem à saúde da nação, não menor seria o escândalo de a oposição condenar e boicotar, indistintamente, porque foi, é e será eternamente contra. A fatura da capitulação aos apelos da radicalização em política só tem uma fonte pagadora, a população.

Se com a mesma intensidade vai se cobrar do presidente Bolsonaro os projetos e remédios que prometeu para a cura das dores nacionais, aos que a ele são contrários se exigirá manter acesa a vigilância, algo que extrapola a cobrança de obras e serviços, mas é também parte indelével entre as obrigações de contribuir na defesa e no agasalho das instituições. Para tanto, e apenas para insistir no que já foi dito e repassado, convém que todos os envolvidos nesse cenário, atores com responsabilidades bem definidas, condenem ao passado o que restou da luta da campanha eleitoral. A guerra acabou e os ânimos que tanto se exaltaram não cabem mais no espaço dos interesses do país. Ora, se tanto os bem sucedidos como os derrotados têm altas missões a cumprir, o que cabe fazer, por primeiro, é esquecer os ressentimentos, que envelheceram e morreram. Convém não permanecerem insepultos.

A história agora é outra; os tempos também. E já tarda começar a reconstrução do país, mão de obra que não faz distinção entre governistas e oposicionistas.