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Fogos cruzados

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O governo do presidente eleito, a considerar o que dizem seus colaboradores mais próximos e a julgar o que ele também diz, não poderá dispensar sólida musculatura e suave capacidade de articulação, tal o volume dos grandes problemas que revela disposição para enfrentar. É o que se depreende com facilidade e com certa preocupação, pois os arroubos de mandatos que estão para se iniciar costumam levar a frustrações ou, pior, à produção de dificuldades ainda maiores. Em particular quando se aventuram em abrir várias frentes de ataque a um só tempo, como agora se tem sinalizado. A observação em nada desautoriza o que, com toda sinceridade, desejou o editorial do dia seguinte à vitória bolsonarista; formularam-se votos de bom sucesso em todas as inciativas verdadeiramente identificadas com os interesses nacionais. Os votos estão confirmados.

Sem ingressar nas questões internas, mas limitando-se às relações externas, a preocupação quanto àquela indispensável musculatura, que não é menos desejável, vem a propósito da anunciada possibilidade de serem enfrentadas poderosas tarefas, sem tempo para a nação respirar, o que poderia resultar em fracasso total ou parcial nas realizações propostas, entre as quais a abertura de complicados flancos na convivência com outros países. Pensa-se logo na decisão do Brasil, por iniciativa própria, sem ser chamado para tanto, a incursionar na melindrosa questão da remoção para Jerusalém da embaixada em Israel, até agora funcionando administrativamente em Tel Aviv. Podia ser uma decisão bem pensada, cuidadosamente instruída em razões de ordem política, não apenas como afago a tendências religiosas, porque esSas, mesmo que respeitáveis, não podem definir interesses de Estado. Para o caso em tela, o que deve prevalecer é um esforço, dentro de nossas possibilidades, que não são muitas, a fim de que as duas culturas político-religiosas orientais atinjam o consenso da paz, a começar pela definição do espaço da capital.

No presente caso, faz-se um agrado à comunidade judaica, mas provoca-se o imediato ressentimento dos palestinos, com representação diplomática acreditada em Brasília, ainda que não se considere relevante o fato de a comunidade árabe no Brasil ser seis vezes mais numerosa que a israelita. O direito a essa advertência, que parece oportuna, não se baseia em juízo de valores civilizatórios, mas na prudência, mãe da diplomacia.

O Planalto haverá de ser robusto também para enfrentar um desafio que chega com sinais de perigosa optação: a China, com interesse em vários itens de nossa capacidade de exportação, sugere, sem subterfúgio, que, ao negociarmos com ela, adotemos medidas depreciativas em relação ao comércio com os Estados Unidos. Nos cenários de intercâmbio comercial, no qual prevalece a correlação de interesses de quem tem para vender ou comprar, o que decide são os melhores resultados. Da disputa sino-americana sobre tarifas e sobretaxas não haveria como dar embasamento a uma eventual preferência brasileira. Não se sabe, no chegado momento de definições, o que pretenderão os assessores de Bolsonaro, mas certo é que se trata de um problema a mais entre os que requerem bons tratos e vigor.

No painel externo certamente não faltarão dias quentes para os encarregados da política diplomática. Porque além dos acenos do presidente Trump, das recomendações da China, da conveniência da extradição de Cesare Bapttisti, com suas repercussões, temos, de imediato, a preocupar as relações com o Mercusul, ameaçado de ter de desocupar prioridades. Tudo isso sem intervalos, como se sente na animação dos novatos. Nem sempre quem corre chega primeiro, como o presidente certamente ouvia nos seus tempos de caserna.

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editorial | jb