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Sob o olhar da América

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Com a mesma visão de considerável parcela dos brasileiros, os observadores internacionais abriram a semana admitindo que a eleição, no segundo turno, ao conferir tranquila vitória a Jair Bolsonaro, garante papel de relevância para o país no painel da política da América Latina. Também alguns destacados estadistas, corroborando os analistas, viram os lemes do nosso destino se voltarem agora para a direita, mesmo que o candidato vitorioso não diga, com clareza, ser essa sua convicção ideológica; mas, para tanto, já lhe bastaria ser, como é, muito contra a esquerda, que teve 14 anos de passagem pelo poder.

A primeira manifestação nesse viés, e certamente a mais significativa para o momento direitista, foi, logo após a aclamação do eleito, o telefonema do presidente Donald Trump, que certamente interpreta o programa de Bolsonaro como prenúncio de uma poderosa aliança no continente, onde Washington sempre teve de superar obstáculos importantes, muito frequentemente agravados com atos pouco diplomáticos da Casa Branca.

Sendo ou não o gesto de Trump interpretado assim, ou algo meramente protocolar, o novo governo terá uma pauta importante de interesses nacionais a tratar com os americanos do Norte, a começar pelas ameaças de aplicação de sobretaxas em cima de commodities, o que tem tudo para afetar nossa oscilante balança comercial. Trata-se de uma questão que merece estar bem definida, porque nos embates de intercâmbio de negócios com os Estados Unidos não temos como nos valer das mesmas forças competitivas que hoje estão a favor da China. Ela tem como reagir com os mesmos poderosos instrumentos de sobretaxação. É uma questão a preocupar nos dois anos que restam ao governo Trump; talvez até mais, se obtiver a reeleição, que alguns especialistas definem como problemática, sob alguns aspectos.

Desconhece-se, entre outras questões mal definidas, o comportamento da próxima chancelaria em relação ao projeto de intercâmbio de defesa, que assessores de Trump propuseram recentemente, e que o presidente Temer não trabalhou para que prosperasse. Tema delicado que vai passar à pasta de Bolsonaro. Delicado, porque em matéria de mútua segurança, como a que se pretende, o naco suculeno fica sempre com o mais forte. É uma questão de autoevidência que a experiência só confirma e atesta.

De imediato, especula-se sobre o que o governo de Washington logo poderia pretender da direita brasileira na subscrição e endosso de uma política mais agressiva em questões delicadas, como a intervenção na Venezuela. Parece insinuante que a simpatia do Brasil direitista levaria a uma ação mais agressiva em relação à crise venezuelana. O presidente Maduro, como numa premonição, teria percebido isso; e pode não ter sido apenas coincidência o fato de sua voz vir no segundo telefonema de congratulações que Bolsonaro recebeu, quando ainda espoucavam fogos festivos na orla da Barra...

Pensam os americanos, não é de hoje, que para onde tender o Brasil tenderá essa parte do continente. John Kennedy foi o primeiro a dizer, no breve e descontraído encontro banhado a champanhe com o embaixador Roberto Campos; e depois repetir publicamente. O tratamento que nos é dado desde então nem sempre confirmou esse respeito, seja por ações ou omissões. Porém, a bem da verdade, para que se evitem precipitações, registre-se que as linhas mestras da política externa a ser adotada, a partir de janeiro, ainda se cercam de tintas misteriosas. É preciso esperar um pouco mais; nós e os demais povos que manifestam interesse em relação ao nosso futuro imediato.