ASSINE
search button

O tempo Bolsonaro

Compartilhar

Se os números do segundo turno da eleição presidencial deste ano já não eram mais a grande expectativa, pois apenas confirmaram o que vinham anunciavam sucessivas pesquisas de intenção de votos, as atenções tinham que se voltar para o pronunciamento do eleito, Jair Messias Bolsonaro, que vai assumir o posto no Palácio do Planalto no primeiro dia de 2019.

Os discursos em hora de vitória costumam se limitar a agradecimentos formais, mas, ontem à noite, rompendo com o habitual, Bolsonaro quis reafirmar questões pontuais de sua campanha, com conteúdo de um nacionalismo mais centralizador, o que, se realmente pretender, poderá permitir avanços nas reformas que dele são esperadas.

Confiante em Deus e na pátria, foi à televisão dizer que quer um governo orientado em dois livros, que tem na conta da mais alta estima: a Bíblia e a Constituição, que, aliás, andavam esquecidos das profissões de fé dos presidentes, desde os antigos tempos do presidente Gaspar Dutra, que invariavelmente costumava de recorrer a esses “bons livrinhos”, como gostava de dizer.

O novo presidente manifesta desejo de resistir a influências políticas que considerar nefastas. Reusa interferência dos maus agentes na coisa pública, o que geralmente tem se revelado tarefa complexa, porque o Poder Executivo sempre depende de sustentação política; e esta, não raro, descuida de qualidades cívicas e morais. Para atingir o compromisso, confirmado em noite festiva, é necessário assumir a envergadura de verdadeiro estadista; como Churchill, cuja biografia Bolsonaro conhece, e mostrou no livro que estava na mesa de seu primeiro pronunciamento, feito de improviso, na sala de estar de sua casa, no Rio de Janeiro. O líder inglês é um bom professor, mas pagou com o fantasma de terrível depressão as obstinadas políticas que defendia.

No Brasil, e talvez valha mesmo a pena buscar inspiração no grande inglês, a missão que se segue ao resultado das urnas do segundo turno é a pacificação da sociedade e das lideranças político-partidárias, no seio e no ânimo de uma temporada ácida e inflamada, que dominou a última campanha eleitoral que caminhou sobre acidentes e percalços.

Essa campanha, que terminou, mas se mantém viva para os meses seguintes, deixou marcas e machucados. Cabe ao novo presidente da República estancar o sangue dessas feridas; como também, em nome de uma paz indispensável para a sociedade brasileira, considerar que, tanto ele como seu adversário valeram-se de multidões que já traziam hematomas de experiências frustradas e descontentes. Não terá futuro o presidente, se desejar, por decisão sua ou por influências políticas de círculos próximos, de contaminar-se com a ideia do antigo raposismo, que pretendia aos amigos apenas a lei, e se possível.

A Bolsonaro e sua equipe cabe descer do palanque, estender as mãos em nome dos elevados interesses nacionais, não odiar os contrários e não retaliar. Para o gestor maior dos interesses públicos, uma virtude essencial é nunca permitir que o sangue ferva. Espelhar-se na milenar lição do sábio rei semita, lembrado pelos evangélicos de sua querência: “Quando meu inimigo se curva, meu sangue gela”. Ou, se em página bem mais recente, recordar o Doutor Ulysses: apaga as divergências para construir convergências.

A ninguém seria permitido admitir que milhões de votos favoráveis tornam menos pesada a carga de administrar as prioridades de um povo. A missão é difícil e já começou.