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O impossível não há

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Da mesma forma como a imaginação pode levar muitos eleitores a acreditar nos candidatos que se vestem com a capa de salvadores da pátria, ainda que arranhados por antigas frustrações, continuam sobreviventes os que votam – e são um contingente próspero - esperando que o presidente ou o governador mande todos os políticos às favas para reinar soberanamente, acima de tudo e de todos. Lamentável reconhecer, mas quando o candidato insiste muito nesse tipo de bravata, confiando na capacidade de isolar-se em seus poderes, sabendo que a realidade dos fatos lhe negará total independência, os crentes se entusiasmam com o herói impossível. A ideia do super-homem excita os incautos, e vai nisso um grande perigo.

O executivo bem-sucedido nas urnas, tenha votação medíocre ou consagradora, transforma-se em ator de um enredo de coalizão, onde não apenas ele, mas muitos outros entram em cena e desempenham papel relevante; e, nesse teatro, quantas vezes é obrigado a dar mais do que recebe. Vítima e dependente do modelo, nada será diferente do que muitas vezes já aconteceu neste país.

Quando se trata de governo de coalizão, a primeira e principal referência se dirige ao Congresso Nacional, onde, muitas vezes, o Poder Executivo torna-se uma espécie de refém de plantão. Nada passa, nada tramita, nada se consegue sem o crivo dos interesses políticos interpostos. A História recente guarda exemplos de resistência à submissão parlamentar, o que acabou empurrando as instituições para momentos trágicos. Por isso, dois presidentes saíram antes da hora: Jânio Quadros, que conceituava o Congresso como clube de ociosos, e, depois, ao seu tempo e ao seu jeito, Fernando Collor também desdenhou.

Um observador indagaria se algo sugere o banimento desse vício, com a legislatura que está sendo delineada nas urnas deste domingo. Algo que não parece muito fácil de acontecer, porque as previsões são desalumiadas e trevosas. Bastaria lembrar que pode acabar ficando acima de 60% a reeleição nas bancadas do Senado e da Câmara, sem faltar a significativa contribuição dos eleitorados do Norte e Nordeste, tradicionalmente refratários à renovação de suas representações. Nada mais insinuante para garantir a perpetuação do modelo paradigmático, que agrilhoa os presidentes.

As bancadas heterogêneas, que há muito deixaram de ser partidárias, tornando-se grupais e clãs, ganham imediatas e maiores facilidades para elaborar exigências, porque elas se formam e se organizam em razão do esforço pessoal do candidato eleito, sem maiores deveres com as legendas. Ora, se os programas partidários tornaram-se ficção, não havendo por que respeitá-los, os parlamentares lançam-se ávidos e sedentos na defesa de suas postulações; e com elas se armam para defender a própria pele. Nisso são fatalistas na objetividade, acotovelam-se nos gabinetes, como se tomassem a Jorge Amado a sentença de Quincas Berro D’Água: que cada qual cuide de seu enterro, porque o impossível não há.

Tal realidade se adéqua ao presidente e ao governador, esses que as urnas dentro em poucas horas estarão proclamados. Qualquer que seja sua valentia. Têm de sentar, conversar, ceder, relevar. Ou não são esses os ingredientes com que se desenha a governabilidade no Brasil? Melhor que não fosse assim; muito melhor que, num dia que há de vir, seja possível enterrar o modelo degradado, o que se dará, concomitantemente, ao voto qualificado e depurador dos eleitores. Não há outro caminho.

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editorial | jb