DIREITOS HUMANOS

Solução para Cracolândia passa por mais moradias, apontam especialistas

No estado de São Paulo, há mais de 52 mil moradores de rua, uma alta de 8,2% em relação a 2022

Por JORNAL DO BRASIL
[email protected]

Publicado em 24/04/2023 às 12:06

Alterado em 24/04/2023 às 12:27

Dependentes químicos "tomam" a Avenida Cleveland e rua Helvétia Rovena Rosa/Agência Brasil

“É impossível resolver a situação de qualquer pessoa em situação de rua sem pensar em moradia em primeiro lugar”. Esta é a conclusão do sociólogo Marquinho Maia a respeito do aumento de dependentes químicos na Cracolândia, nome pelo qual ficou conhecida uma região da Grande São Paulo que reúne usuários e dependentes de drogas.

Durante o seminário Cracolândia em Emergência, realizado entre sexta e domingo, no Teatro de Contêiner Mugunzá, no centro da capital paulista, especialistas associaram o aumento de usuários ao elevado déficit habitacional. No estado de São Paulo, há mais de 52 mil moradores de rua, uma alta de 8,2% em relação a 2022.

"A partir do momento em que a pessoa tem um lugar para estar, a assistência social e a saúde conseguem atender melhor. O cuidado tem que ser feito em liberdade. Não existe cuidado sem liberdade", pontuou Maia.

O psiquiatra Flávio Falcone assina embaixo a afirmação. Coordenador do projeto Teto, Trampo e Tratamento e integrante do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Proad-Unifesp), o médico relata que, sem moradia, é "impossível gerar renda e fazer algum tipo de tratamento". Ainda segundo Falcone, essa moradia precisa ser livre de exigências e burocracias. Isso porque, atualmente, o governo oferece um programa de moradia assistida apenas para ex-usuários.

"A primeira coisa que se deveria fazer é oferecer moradia com baixa exigência, que é diferente da moradia que o governo atualmente oferece, de alta exigência, em que você precisa estar abstinente (sem usar drogas) e fazer testes de urina para comprovar essa abstinência. E se o seu teste estiver positivo, você volta para a rua e passa por todo o ciclo de novo que é a internação e comunidade terapêutica", observou.

 

Remoção de famílias

Para os especialistas, as soluções adotadas pelos governos estadual e municipal para a Cracolândia, historicamente, privilegiam a remoção das pessoas e das famílias do centro de São Paulo em vez do diálogo com os moradores locais. O mestre em políticas públicas e especialista em patrimônio cultural, Toni Zagato, reforçou que as remoções forçadas são estratégias que vêm sendo utilizadas para a região central, mas que não resolvem o problema.

“O Poder Público usa milhões para desapropriar. Nesse processo, ele despeja todo mundo e lacra os imóveis. Esses imóveis, muitas vezes, são considerados patrimônios culturais e não podem ser lacrados, o que é uma descaracterização do imóvel. Eles nem disfarçam que isso é um teatro: eles deixam somente a fachada, feito uma cenografia de teatro, e atrás fazem uma construção que despejou 300 famílias e que não vão habitar mais esse lugar. Eles vão conceder isso para outras pessoas, que são de fora. Isso é um feudo, é arcaico, é colonial, e acontece no centro de São Paulo", argumentou.

 

Perpetuação da pobreza

Diva Sativa, que vive em uma ocupação no centro de São Paulo e integra a Bloc Feminista da Marcha da Maconha de São Paulo, afirma que os moradores de rua "foram jogados para essa situação". Diva relembrou do passado escravista brasileiro e salienta que a situação atual atinge principalmente a população negra.

“Quem foi empurrado para as áreas de risco porque estava aqui nesse país e não tinha estudo? Quem mora hoje em locais sujeitos a incêndios? Qual é a cor da pele dessas pessoas? Isso é um ciclo de perpetuação da pobreza e da discriminação. Esse ciclo que começou lá atrás, chega hoje na gente. Quando falamos hoje em droga, temos que fazer esse resgate”, destacou. (com Agência Brasil)

Deixe seu comentário