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Qual o preço da água da Cedae?

Estabelecer o custo do m³ de água é uma operação complexa que leva em conta, principalmente, dados de engenharia e métodos financeiros

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Em julho deste ano de 2020, o BNDES e o governo do RJ disponibilizaram para consulta os documentos que compõem o edital para “Concessão dos Serviços Públicos de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário, por Blocos de Municípios do Estado do Rio de Janeiro”.

Resumidamente, trata-se de um projeto de concessão dos sistemas hoje geridos pela Cedae (Cia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro). Nessa modelagem, permanece existindo uma Cedae que chamarei de “Remanescente” (Cedae-R), encarregada de gerir e operar os sistemas de produção de água da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), no lado Oeste da Baia de Guanabara (Rio Capital e Baixada) o sistema Guandu-Lajes e, do lado Leste (Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e etc.) o sistema Imunana-Laranjal.

Um dos principais pontos questionados no processo de consulta pública foi o preço de venda da água tratada por essa “Cedae-R” para as novas concessionárias, que vão distribuir e cobrar essa água da população. Sem nenhuma memória de cálculo, o valor apresentado foi de R$1,40/m³. Recentemente a imprensa divulgou que o BNDES revisou este valor para R$1,46/m³. Como a base de cálculo dos custos da modelagem é de dezembro de 2018, este novo valor não atende nem ao reajuste inflacionário do período, que pelo IGP fica acima de 25%.

Estabelecer o custo do m³ de água é uma operação complexa que leva em conta, principalmente, dados de engenharia e métodos financeiros. Ocorre que, hoje em dia, cada um se especializando em algo, perdeu-se o necessário entendimento multidisciplinar e muitas vezes os profissionais que entendem a questão contábil e econômica, não conseguem acompanhar a discussão técnica, ocorrendo também o inverso.

Os principais custos que vão compor o valor da água a ser vendida no atacado pela “Cedae-R” às novas concessionária (distribuidoras), em linhas gerais são: energia para bombeamentos, operação e manutenção das captações e estações de tratamento (ETAs), impostos, substituições/recuperações/ampliações e passivos (trabalhista, ambiental, etc).

Como exemplo, só de consumo de energia elétrica, o custo para o bombeamento de água no Lameirão, responsável por abastecer Zona Sul e a região da Barra da Tijuca, é da ordem R$0,30/m³.

Considerando o trabalho técnico “Estimativas de Preços de Implantação, de Operação e de Manutenção de Unidades e de Sistemas de Adução, Bombeamento e Tratamento de Água”, fruto de um estudo (CERTOH) realizado para a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) o custo de operação e manutenção do sistema Guandu e Laranjal pode ser estimado em R$0,40/m³.

De acordo com o edital do BNDES os impostos aplicados à Cedae-R serão da ordem de apenas 5% sobre o faturamento, valor bem abaixo de outros serviços de infraestrutura urbana. Adicionados aos custos de outorga pelo uso da água, essa parcela representará aproximadamente R$0,10/m³ de água.

Assim, pela modelagem do BNDES, sobrariam para a “Cedae-R” aproximadamente R$0,66/m³ de água vendida para substituições, reinvestimentos, ampliações e cumprir com os passivos da atual Cedae.

Considerando que a capacidade de produção de água da Cedae-R seja na ordem de 50m³/s e que toda essa água será vendida pelo período de concessão, isso representa em valor presente, a juros de 8%a.a., cerca de apenas R$ 12 bilhões, para cumprir com todas essas questões durante 35 anos.

Ressalte-se que essa receita, tem ainda que atender os custos de recuperação de um sistema com mais de 60 anos de idade média em suas unidades, com a vida útil prevista esgotada, cuja continua utilização sem redundância beira a irresponsabilidade.

Incluem-se nesses passivos preparar-se para tratamentos sofisticados da água que façam face a situações tais como a vivida com a “geosmina”, tratar a água vinda de Ribeirão das Lages (até hoje não filtrada), dar destinação final adequada ao lodo da ETA Guandu, preparar-se para diversificar os pontos de captação minimizando as consequências de eventuais acidentes e, nos mananciais da zona leste (Niterói), diminuir o risco de falta de água durante as estiagens. Tudo somado chegaremos a ordem dos muitos bilhões reais, certamente mais do que o valor atual de toda a arrecadação prevista.

É preciso muito cuidado para que o Rio de Janeiro não viva, na água, situações similares ao que o Amapá está vivendo agora na energia. Um “apagão de água” numa metrópole como a nossa terá consequências imprevisíveis.

A modelagem do BNDES precisa prever de forma transparente um valor justo e necessário, mas também suficiente para garantir não só os serviços atuais de produção de água no atacado pela “Cedae R”, mas também os investimentos já atrasados para minimizar riscos, além dos encargos já citados. Se a “Cedae R” for inviável ou não confiável, todo o resto do sistema imaginado não vai dar certo.

Miguel Alvarenga Fernández y Fernández. Engenheiro Civil/Hidráulico da Fiocruz. Professor do curso de Engenharia Civil do Cefet/RJ. Presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – seção Rio de Janeiro

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