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O problema não é teto, e sim os gastos

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Para um país pouco comprometido com a disciplina fiscal, que há anos gasta mais do que arrecada, lembrando que não arrecada pouco, o teto dos gastos passou a ser o novo inimigo a ser abatido. Incriminam-se as consequências, para não precisar combater as causas do problema.

A continuar a trajetória dos gastos obrigatórios, crescendo acima da inflação, a sobrevivência da nossa última âncora fiscal – as demais, como a Lei de Responsabilidade Fiscal já foram “flexibilizadas” – tende a não durar muito. O principal desses gastos, a previdência, mesmo com a reforma, absorverá no próximo ano R$ 704,4 bilhões, segundo a proposta orçamentária para 2021 que o governo encaminhou ao Congresso.

Em seguida, a conta de pessoal e encargos precisará de R$ 337,3 bilhões, de modo que os gastos com funcionários públicos e aposentadorias consumirão mais de dois terços do orçamento. Somando os R$ 101,9 bilhões da assistência social, as emendas impositivas do Congresso e os subsídios, sobra muito pouco para gastos não obrigatórios, que podem ser gerenciados. Destes, a maior parte ainda vai para a manutenção da máquina pública e a menor parte, R$ 28 bilhões, para investimentos.

Então, as alternativas são três: 1º) flexibilizar os gastos obrigatórios para poder reduzi-los; 2º) aumentar impostos, lembrando que já somos o país em desenvolvimento com a maior carga tributária e temos a pior relação do planeta entre impostos pagos e retorno disso à sociedade; e 3º) aumentar a inflação, o que penaliza especialmente as camadas mais pobres da população. Portanto, a prevalecer o interesse da sociedade, só nos resta a primeira alternativa.

O ex-secretário do Tesouro, Murilo Portugal, chama a atenção que, entre 1991 e 2016, o gasto primário federal cresceu de 10,8% para 19,5% do PIB. Praticamente dobrou, muito acima de outros países, e pior, sem atender bem a população. Segundo Portugal, porque gastamos nas coisas erradas e gastamos mal nas coisas certas. E alerta que desistir do teto dos gastos, quando ele é mais necessário, constitui enorme irresponsabilidade e trará consequências graves.

Para reduzir o risco fiscal é necessário aplicar ao Estado a receita que conhecemos: diminuir a obesidade e desenvolver massa muscular. Transformar algo inchado e ineficiente em uma instituição forte, capaz de efetivamente cumprir o papel do Estado moderno, que possa impulsionar e não frear o país, que ao invés de capturar quase toda a riqueza produzida pela sociedade para cobrir os custos da máquina pública, estimule a economia, apoiando os esforços de aumento da produtividade e de geração de oportunidades para todos.

A realização das reformas estruturais, especialmente a administrativa e a tributária, é um passo necessário para esse avanço. Furar o teto dos gastos, por outro lado, seria perder boa parte da caminhada já feita. E somado ao custo da pandemia, seria jogar o país no escuro. Como bem alerta Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, o teto não precisa ter adaptação, porque ele é apenas o termômetro que mostra que o organismo está com febre. E não se combate febre alterando o termômetro. O problema não é o teto, e sim os gastos obrigatórios.

*Empresário