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Bolsonaro e as disputas entre a toga e a espada

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No dia 11/07, o ministro Gilmar Mendes, do STF, declarou abruptamente que o Exército se associou a um “genocídio”. A associação ocorreu em meio à polêmica gestão do general Eduardo Pazuello, ainda na ativa, à frente do Ministério da Saúde. Para Gilmar, a falta de experiência político-administrativa de Pazuello e a substituição em série de civis da área da saúde por militares estão contribuindo para a morte de mais de 80.000 brasileiros por problemas decorrentes do novo coronavírus.

A declaração de Gilmar Mendes rendeu fortes reações por parte dos militares. A mais importante veio do Ministério da Defesa, dirigido pelo general da reserva, Fernando Azevedo. Em nota oficial, de 13/07, Azevedo e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica repudiaram “veementemente a acusação” de Gilmar. Em seguida, o Ministério da Defesa protocolou junto à PGR uma representação contra Gilmar Mendes com base na Lei de Segurança Nacional e no Código Penal Militar.

Convém esclarecer que o ministro, ao vincular o termo “genocídio” às ações e Pazuello, ultrapassou o limite do razoável, pondo fogo na já prolongada crise entre os poderes Executivo e Judiciário. Relacionar a gestão de Pazuello a uma ação intencional que visa à morte, grave dano ou submissão de uma dada população é um equívoco tão grave quanto desnecessário.

Após a repercussão do incidente, Gilmar e Pazuello conversaram e o ministro interino da saúde convidou o ministro do STF a conhecer o trabalho que as Forças Armadas vêm realizando no enfrentamento da Covid-19. Entretanto, a exposição das ações empreendidas pelos Forças Armadas no combate à pandemia não parece ter sido o suficiente para apaziguar as tensões entre a toga e a espada. Afinal, qual a essência do problema?

Em princípio, é possível vincular a fala de Gilmar à falta de ações integradas pelo governo federal no combate à pandemia, à subestimação do presidente em relação ao novo coronavírus e o seu aparente desprezo pela vida dos milhares de brasileiros que vieram a óbito por conta do novo coronavírus, omissão esta que já suscita inclusive denúncias contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional. Mas as razões dessa richa são mais profundas.

Sempre tencionando as instituições, Bolsonaro está em uma disputa aberta com o STF. A fala de Gilmar, nada inocente, é parte desse xadrez. Nesse contexto, as Forças Armadas estão se permitindo participar de um jogo perigoso. É necessário saber que quando se faz parte do governo se carrega consigo a instituição à qual se pertence. Garantidoras da ordem, nos termos da constituição, não caberia às Forças Armadas entrarem nas disputas entre Executivo e Judiciário, mas, ao contrário, contribuírem para manter a estabilidade política necessária para enfrentar os desafios da saúde pública e recuperar a economia.

No complexo jogo da política, faltou às Forças Armadas uma visão estratégia e o reconhecimento de que são forças de Estado, que não podem estar à serviço de governos. Hoje, contudo, as Forças Armadas estão indissociavelmente vinculadas ao Executivo. Nesse sentido, em que pese a aparente calmaria do momento, é certo que a crise entre a caserna e o Judiciário está longe de acabar.

Lier Pires Ferreira - PhD em Direto. Professor Titular do Ibmec e CP2.

Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco - Doutor em Ciência Política. Professor do IESP/UERJ e PPGD/UVA