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A gravidade da Carta do Clube Naval

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Carta aberta do Clube Naval assinada pelo Almirante de Esquadra Eduardo Monteiro Lopes foi publicada neste dia 27.05.2020. O seu objetivo foi reafirmar o teor da nota firmada por várias dezenas de coronéis da reserva do Exército em apoio ao Gen. Augusto Heleno (Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional / GSI), que em recente nota criticou encaminhamento do Min. Celso de Mello, do STF, à Procuradoria Geral da República (PGR), que poderia resultar no recolhimento do telefone celular do Presidente da República para a realização de investigações.

A carta aberta do Clube Naval explicitou convergência de mais um setor das Forças Armadas incluindo setores da ativa da Marinha com o marco antidemocrático apresentado pelas manifestações em favor da política de Governo encarnada na posição da nota do Gen. Heleno, do GSI. O texto dos reservistas do Exército agora apoiado pela Marinha apresenta dura crítica a Ministros do STF, a quem atribui arco de ausência de virtudes que abrangeriam da falta nobreza à decência, da deficiente dignidade à escassa honra, passando pelo questionamento de seu patriotismo e senso de justiça.

A carta do Clube Naval alveja o Min. Celso de Mello que no bojo de investigação de possível interferência do Presidente Bolsonaro na Polícia Federal (PF) decidiu divulgar vídeo da fatídica reunião ministerial do dia 22.04.2020. O apoio do Clube Naval é mantido mesmo em face da evidente gravidade e alto teor ofensivo com que foram tratadas autoridades constituídas e instituições da República, incluindo Governadores, Prefeitos e Ministros do STF. Tampouco foram economizadas críticas ao Min. Alexandre de Moraes, dada a sua decisão de suspender a nomeação do Delegado Alexandre Ramagen para a Diretoria da PF.

A referida carta não poupa ataque à Constituição e ao conjunto das instituições via enfrentamento do SFT. O Almirante Lopes desfruta de prestígio como militar “moderado”, “tranquilo” e avesso a “inclinações incendiárias”, mas disposto a confirmar a agressiva nota do Gen. Heleno e da subsequente nota dos reservistas do Exército que repreende duramente o mero encaminhamento formal do Min. Celso de Mello para a PGR com objetivo de consultar sobre a apreensão do celular do Presidente Jair Bolsonaro. O encaminhamento judicial foi recebido como ato de “afronta” ao Poder Executivo, pois supostamente traria “consequências imprevisíveis para a estabilidade” do Brasil, chegando os seus signatários a desenhar um horizonte de guerra civil.

Enquanto o silêncio das Forças Armadas é constantemente rompido e as notas se sucedem, declaração pontual de Eduardo Bolsonaro afirma que a realização de golpe de Estado já não está colocada em dúvida, restando apenas por determinar o momento exato de sua ocorrência. Reação imediata, aquele que supostamente seria o outro lado da pinça se manifesta sob o signo da moderação, na figura do vice-presidente, Gen. Hamilton Mourão, retrucando que tal hipótese não está em questão. Quando a nota do Clube Naval conecta com a dos reservistas do Exército está inserida neste contexto de apoio ao regime militar que tem o núcleo duro de generais no poder, dentre os quais o próprio Mourão, levando a crer que este não pode estar alheio aos movimentos políticos e declarações realizadas.

A gramática das notas foi repetida no dia 28.05.2020 em fala ameaçadora do Presidente Jair Bolsonaro de que “ordens absurdas e ilegais não deverão ser cumpridas”, em referência velada a operação da Polícia Federal a diversos objetivos próximos ao Presidente que foi ordenada pelo Min. Alexandre de Moraes no dia 27.05.2020. Com esta declaração concluída com uma violenta exclamação terminativa da realidade de decisões judiciais que lhe contrariam sucedida por um palavrão, o Presidente Bolsonaro pretendeu traçar linha fronteiriça de interdição à liberdade das ações da PF, e de que, de agora em diante “acabou”, e que eventuais decisões de Ministros desta Corte já não serão obedecidas pela PF diretamente, senão quando passem pelo seu filtro sobre o que é ou deixa de ser “absurdo e ilegal”. Isto atingirá o núcleo duro da Constituição brasileira de 1988 e configurará o ocaso do Estado democrático de direito, propósito que veio a ser reforçado na tarde do dia 28.05.2020 quando o Presidente postou em sua rede social interpretação jurídica da Constituição realizada pelo conhecido constitucionalista Ives Gandra Martins pela aplicação do art. 142 que concederia espaço para a intervenção militar em desfavor dos preceitos constitucionais mais caros.

Estes documentos cuja publicação veio sendo tolerada ou estimulada pelas Forças Armadas não são amistosos nem têm como objetivo fomentar o entendimento e o diálogo, mesmo por força de que constitucionalmente as mesmas não dispõem de poder moderador. É importante que neste gravíssimo momento da história brasileira seja preservado ao povo o seu espaço soberano de decisão política, livre de intervenções e pressões de qualquer origem, sendo esta a condição indispensável para a afirmação de uma democracia. O primeiro passo para a superação da presente crise político-pandêmica é que o verdadeiro soberano possa tomar as rédeas do poder, o povo, e que as instituições que atuam em perfeita conformidade com a Constituição exerçam plenamente a sua competência.

Roberto Bueno. Professor universitário. Doutor em Filosofia do Direito (UFPR). Mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC). Mestre em Filosofia do Direito e Teoria do Estado (UNIVEM). Especialista em Direito Constitucional e Ciência Política (Centro de Estudios Políticos y Constitucionales / Madrid). Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Direito (UnB) (2016-2019). Pós-Doutor em Filosofia do Direito e Teoria do Estado (UNIVEM). Estágio Doutoral na Faculdade de Direito da Universidad Autónoma de Madrid (UAM).