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O Menino que Calculava

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Certo dia, um rapaz de 14 anos de idade iniciava seu primeiro dia de aula em uma instituição federal. Sobre começar o ensino médio em um lugar distante de casa, seu pai só o havia dado um conselho: “busque oportunidades”. O diretor daquela instituição, ao encerrar seu discurso diante de um auditório repleto de calouros, se lembrou de algo: “Caros, antes que encerremos, o coordenador de matemática gostaria de passar uma lista de inscrição para uma olimpíada que estaremos participando”. Nem todos os calouros assinaram seu nome, mas, lembrando das palavras do meu pai, não estive entre esses.

Uma semana depois, fui surpreendido com o aviso de que “aquela tal olimpíada de matemática vai ser amanhã”, e quando percebi, já estava em uma sala de aula tentando resolver aquelas 20 questões objetivas. Fiquei surpreso com a dificuldade das questões daquela prova, e ainda mais surpreso ao descobrir que se tratava somente da “primeira fase”. E essa minha surpresa triplicou quando recebi de um professor a notícia de que “tinha sido aprovado para a segunda fase, que ocorreria em uma outra escola”.

Ainda inexperiente, fiquei um pouco hesitante de passar uma tarde de um sábado resolvendo uma prova enigmática, mas a curiosidade me convenceu a seguir em frente. Dessa vez discursivas, as inteligentes questões de lógica eram diferentes de tudo o que eu já tinha visto no ensino fundamental, e apesar do meu pífio desempenho dado o limitante de tempo, algo na minha forma de raciocínio deve ter atentado os corretores, que consideraram minhas respostas dignas de uma “Menção Honrosa”.

No meu segundo ano de ensino médio, já estava muito mais preparado e aquecido na matemática, e passei sem problema maior pela primeira fase daquela que eu já conhecia como a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, a OBMEP. Dessa vez, já corriam ambições em minha cabeça: “será que eu consigo uma medalha?”. E foi uma semana antes da fase final dessa prova que me envolvi em um acidente que me deixou com três ligamentos rompidos no tornozelo e sem conseguir andar por meses. Incentivado pelo meu pai, mesmo tomado por dor de cabeça, fui fazer a prova na semana seguinte em uma sala que havia sido generosamente adaptada para mim pelos organizadores. Não me arrependo desse sacrifício hoje, já que foi assim que consegui minha primeira Medalha em uma Olimpíada séria, ainda que de Bronze.

Na cerimônia de entrega dessa medalha, ouvi histórias muito mais emocionantes que a minha sobre estudantes humildes de todo o Brasil que tiveram suas vidas mudadas por projetos assim. Ainda mais quando se considera o Programa de Iniciação Científica (PIC), que dá bolsas do CNPq e oportunidades adicionais de estudo da matemática para jovens que obtiveram um excelente resultado na prova. Mesmo tendo sido interrompida por uma situação grave como o coronavírus, é fundamental que o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) mantenha essa iniciativa para as futuras gerações. E essa é a magia de uma olimpíada como a OBMEP: não importa quem você seja, onde esteja, ou qual seu histórico, aquela bateria de questões dá a cada um de nós o potencial de colocar em prática nossa capacidades de lógica, e, mesmo que por um instante, nos sentir como verdadeiros atletas (ou magos) olímpicos.

Para um menino, essa experiência única é inspiradora. No meu terceiro ano do ensino médio, já recuperado, ganhei medalhas em olimpíadas internacionais e nacionais, como a australiana Canguru, Matemática Sem Fronteira e a OBFEP, a contraparte de Física da OBMEP. Quanto a essa conhecida minha, gabaritei a primeira prova, e dos 18 milhões de candidatos totais, fiquei a menos de 20 posições de levar uma das cem medalhas de ouro entregues aos candidatos da categoria. Saindo do ensino médio, o único arrependimento daquele menino era nunca mais poder repetir aquela prova.

FRANCISCO VICTER é estudante de Engenharia de Produção na Escola Politécnica da UFRJ.