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Trade finance em tempos de Covid-19

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A Covid-19 é uma pandemia em curso com impacto global sem precedentes ao estar causando uma parada súbita e uma crise econômica simultaneamente em quase todos os países. A atual crise não decorre, nem de bolha financeira, nem por um risco sistêmico, mas toda crise gera imensas oportunidades. Em tempos de Covid-19, a manutenção do atual processo de abertura econômica gera oportunidades de ganhos de comércio. Explorar hoje essa janela de novos negócios e também manter os tradicionais clientes é algo mandatório para empresas e empreendedores que atuam no comércio exterior.

Num período de retração do mercado internacional, ganhos podem ser obtidos se souber deslocar a concorrência internacional, ser competitivo, e ter produtividade. Hoje, isso é possível por ser pequena a parcela do market share na maioria dos produtos exportados pelo Brasil. Logo, identificadas oportunidades de vendas para compradores internacionais, e com taxa de câmbio favorável, isenção ainda que não total de tributos indiretos nas exportações, e adequado trade finance, é possível aumentar a parcela do Brasil no mercado internacional.

Hoje, nosso olhar e atenção é superar o desafio do acesso ao crédito das empresas exportadoras e importadoras ao Sistema Financeiro, e o papel central dos bancos públicos e privados para ajudar a romper a atual parada súbita. Estamos comprometidos em mostrar à sociedade brasileira, em especial, para aqueles que trabalham na área de comércio exterior à fundamental importância do Sistema Financeiro Nacional como instrumento de meios de pagamentos e de acesso ao crédito e financiamento às empresas.

Todos os governos de todos os continentes estão centrados no intuito de salvar vidas. A crise é de saúde, restrita, à dor e aos custos em vidas causadas pela difusão do Covid-19. Não há hoje nenhum “credit crunch”. Mas, todos os governos estão também cuidando de suas economias injetando recursos financeiros por meio de pacotes de combate a crise.

Com a eclosão da Covid-19, o Banco Central brasileiro acelerou a liberação da exigência de compulsórios por parte dos bancos. A medida permite uma expansão na concessão de crédito em cerca de R$ 200 bilhões além de reforçar a solidez do sistema financeiro. Por sua vez, cabe ressaltar que o BNDES, e Caixa Econômica Federal têm sido agentes importantes para conter os impactos do Covid-19 aprovando linhas de financiamento da ordem de R$ 150 bilhões. Um fator novo no momento atual é que as “fintechs” ficaram também autorizadas a repassar recursos do BNDES. E, o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste e os bancos privados, com os seus recursos, estão reforçando o apoio aos seus clientes tradicionais.

No entanto, uma característica implícita ao sistema financeiro é que o mesmo trabalha, de um lado, sob assimetria e informação incompleta de seus clientes potenciais e efetivos, e, de outro lado, sob um processo de seleção adversa de projetos de negócios a serem objetos de financiamento. Em situações de crise como a da Covid-19, no momento atual, pode ser que surjam “bolsões de iliquidez” em determinados setores econômicos, que eventualmente podem gerar situações de inadimplência e falência.

Para enfrentar essa situação, o Banco Central do Brasil enviou ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para permitir que este compre crédito diretamente no mercado sem a intermediação de Instituições Financeiras. Isso só ocorrerá em estado de defesa, de sítio, calamidade pública ou grave ruptura econômica. A mudança autorizará a compra de títulos de emissão do Tesouro no mercado nacional e internacional. Também será permitida a aquisição de ativos privados ou públicos, tanto no mercado financeiro quanto no mercado de capitais, como fazem o Federal Reserve (USA) e os banco centrais de outros países.

Do exposto acima se constata, de um lado, que – com crise ou não - há necessidade de identificar e analisar informações sobre oportunidades para se obter ganhos no comércio exterior via vendas e marketing internacional num contexto de digitalização. De outro lado – também com crise ou sem crise – há necessidade de reduzir a assimetria de informações para que bons projetos de comércio exterior sejam apresentados ao sistema financeiro, e financiados.

Agora é a hora para incentivar a ideação e a aceleração de negócios internacionais e de “fintech” de financiamento digital às exportações. De um lado, sabemos que anualmente o governo disponibiliza recursos orçamentários para financiar as exportações das pequenas e médias empresas. Anualmente, esses recursos orçamentários não são plenamente utilizados pelas empresas, seja por desconhecimento, seja por que as empresas não sabem como propor, submeter, contatar e gerir uma operação de trade finance com recursos públicos. De outro lado, apesar da dedicação e do apoio das equipes dos bancos oficiais de comércio exterior em identificar potenciais empresas exportadoras, eles acabam esbarrando com o problema de assimetria de informação e seleção adversa de se ter “bons” projetos de exportação.

Para sanar esse problema, por exemplo, na Índia já há plataformas que recebem pleitos de financiamento por parte das pequenas e médias empresas. Estas fazem uma análise prévia do pedido com base numa cesta de produtos financeiros. A partir dessa análise é feito um “rating” facilitando a abertura dos dados das operações empresariais que são difíceis de serem obtidos e revelados pelas empresas. Ou seja, mediante uma plataforma de negócios de financiamento às exportações se busca reduzir o problema de assimetria de informação e seleção adversa implícitos no acesso ao financiamento às exportações das PMEs. Por sua vez, a plataforma pode encaminhar os pleitos e negociarem com os bancos as condições de acesso eventual ao financiamento.

Vale ainda assinalar que essas “fintechs” poderiam ser constituídas a partir da estruturação de fundos de investimento, lastreados, por exemplo, por notas de exportação, cédula de produtor rural, e títulos de “factoring”. Em ambos os casos haverá supervisão do Bacen, e da CVM, quando se aplicar. E, o melhor é que as empresas pequenas e médias exportadoras terão formas de acesso às vendas externas, compostas por fontes públicas e privadas. Isso é uma inovação financeira, e, em tempos de Covid-19 e de aumento das atribuições do Bacen, o acesso ao financiamento às exportações por meio de plataformas de finanças digitais é uma oportunidade para o comércio exterior do Brasil que vem sendo apresentada e liderada pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior-Funcex, na gestão do presidente Antonio Carlos da Silveira Pinheiro tanto junto ao governo federal, quanto às entidades representativas do setor empresarial.

Miguel Lins. Vice-presidente da Funcex, empresário-empreendedor, Pós graduado em Economia do Setor Financeiro pela USP e em Finanças pelo IBMEC