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A assinatura do ministro foi falsificada? Apenas um dos fatos gravíssimos que marcam a saída de Sérgio Moro

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Novamente peço desculpas às leitoras e leitores pelo desvio do tema dos meus artigos aqui neste espaço. Vamos voltar a abordar a situação da mulher no Brasil e no mundo, principalmente nesta época de pandemia em que os casos de violência doméstica crescem exponencialmente, tão logo as intrigas palacianas permitam tal retorno. Até porque os fatos estão interligados; a instabilidade política não colabora em nada no combate e prevenção ao Covid-19 e ao clima tenso e favorável a todo tipo de violência que se instala nos lares socialmente mais vulneráveis.

Precisamos falar sobre o presidente que cria torvelinhos políticos enquanto uma pandemia rouba vidas no seu país. Precisamos ter em mente que o atual cenário que cobre o Brasil de cinza não pode e não deve ser normalizado.

Enquanto as mortes pelo coronavírus estão na casa dos milhares, o país acompanha, atônito, as intrigas e trocas de peças estratégicas no governo de Jair Bolsonaro. A saída de Luiz Henrique Mandetta da pasta da Saúde era algo previsto no atual cenário político, já que as orientações dele na direção do isolamento social divergiam das declarações de Jair Bolsonaro, que tem incentivado a população a ir para as ruas, movimento que coloca em risco a vida das pessoas do país que ele (des)governa. A despeito de tudo isso, desligar um ministro é direito do presidente da República. Embora desvincular da pasta um titular da Saúde em época de pandemia seja uma atitude desestabilizadora.

Mas a demissão de Sérgio Moro tem outro tipo de impacto. Gravíssimo politicamente. E, mais do que isso, legalmente.

O agora ex-ministro da Justiça saiu atirando, como diz a linguagem popular. Seguem algumas declarações de Sérgio Moro no pronunciamento em que anunciou seu desligamento:

“O presidente me disse mais de uma vez que ele queria ter alguém do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência, seja diretor ou superintendente”. O ainda ministro da Justiça se referia ao então diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, indicação pessoal de Sérgio Moro ao cargo.

“Falei para o presidente que isso seria uma interferência política e ele disse que seria mesmo”. Aspas que dispensam qualquer explicação ou comentário.

“Imagina se, durante a própria Lava Jato, o ministro, o diretor-geral, a então presidente Dilma, o ex-presidente Luiz (Lula), ficassem ligando para a Superintendência de Curitiba para colher informações”. Esta declaração pode ser classificada, sem ressalva alguma, como um elogio à independência da Polícia Federal nos governos petistas.

“A exoneração de Valeixo que foi publicada: eu fiquei sabendo pelo Diário Oficial, pela madrugada. Eu não assinei esse decreto. De fato, não foi verdadeiro, eu não assinei nada”. Um acontecimento que não é verdadeiro é falso. Questão semântica.

Por fim e, de forma alguma, não menos importante, muito pelo contrário:

“o presidente tinha preocupação com inquéritos em curso no STF”. Ora, os inquéritos que tramitam na Suprema Corte referem-se ao funcionamento do chamado “gabinete do ódio” a aos financiamentos das manifestações que pediram a volta do AI-5, das quais Bolsonaro participou ativamente, tendo depois – como um agressor arrependido – dito que não tinha a intenção de cometer tais atos.

Enfim, no pronunciamento do agora ex-ministro houve denúncias graves. De crime de responsabilidade. De falsidade ideológica. De interferência em investigações sigilosas. Será que as instituições irão seguir a funcionar normalmente? Ou agora vão agir e parar Jair Bolsonaro? A ver.

Lídice Leão é jornalista e mestranda em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo