O Dia Internacional da Mulher tem origem em manifestações e movimentos de luta. É incrível como, quando começamos a pesquisar o envolvimento, relacionamento e comportamento das mulheres em diversos grupos – que é o objeto da minha pesquisa de mestrado na Universidade de São Paulo – nos deparamos com movimentos que buscam e reivindicam melhorias nas condições de vida nos locais de trabalho, nos atendimentos de saúde, nas escolas, nas ruas etc. Ao estudarmos a história das organizações das mulheres em grupos, acompanhamos invariavelmente trajetórias de agentes guerreiras.
Vamos aos fatos. O 8 março surgiu a partir da união de mulheres em torno de diversos movimentos sociais. Segundo o livro “Mulheres, raça e classe”, da filósofa e ativista estadunidense Angela Davis, publicado no Brasil pela editora Boitempo, o marco inicial da data foi o ano de 1908, quando o Partido Socialista dos Estados Unidos criou uma comissão de mulheres que, em 8 de março, organizou manifestações pelas ruas de Nova Iorque, por onde cerca de quinze mil mulheres protestaram pelo sufrágio igualitário e por melhores condições de trabalho, já que naquela época elas tinham jornadas de até dezesseis horas por dia, em seis dias por semana.
Angela Davis cita o trecho de um artigo escrito naquele ano pela ativista Elizabeth Gurley Flynn, que militava pelos direitos da classe trabalhadora desde os dezesseis anos, em que ela definia a luta do mês de março da seguinte forma: “o direito ao trabalho, à formação, à atualização e à valorização por tempo de serviço; meios de proteção à saúde e à segurança; creches adequadas: essas continuam a ser as demandas urgentes das mulheres da classe trabalhadora organizada e são necessárias para todas as pessoas que trabalham duro, especialmente as mulheres negras”. Qualquer semelhança com as bandeiras feministas atuais não é mera coincidência. É sim um sinal de que, 112 anos depois, a situação das mulheres pelo mundo permanece socialmente vulnerável, permeada por opressões e desigualdades de gênero, classe e raça.
Mas o Dia Internacional da Mulher é recheado por histórias de luta também do outro lado do globo. O movimento das trabalhadoras crescia na Europa e, em 1910, a jornalista e professora socialista Clara Zetkin propôs, em uma conferência feminista, a organização de uma jornada de protestos por igualdades de direitos, determinando a partir do mês de março uma data para marcar as reivindicações das mulheres por todo o mundo.
A história conta ainda que a Revolução Russa de 1917 foi antecedida por grupos de mulheres que saíram às ruas em 8 de março, para protestar contra a fome que varria o país comandado pelos czares.
Após essa sequência de manifestações, união e luta feminista, sempre no mês de março, o Dia Internacional da Mulher foi oficializado em 1975 pela ONU.
Em março de 2020, a luta não pode parar. Porque as mulheres negras seguem morrendo. Elas são 61% das vítimas de feminicídio pelo país, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, entre 2017 e 2018. 70% das mulheres que morreram pelo fato de serem mulheres cursaram até o ensino fundamental, enquanto 7,3% possuíam curso superior. Os dados escancaram: raça e classe social são as linhas que dividem quem “deve” morrer e quem “não deve”. Ou seja, a luta das mulheres trabalhadoras socialistas do século 20 continua a valer um século depois.
Por isso o dia 8 é uma data de luta, não de presentes. Por isso não nos deem presentes. Nos deem respeito. Igualdade. Nos deem vida.
Lídice Leão é jornalista, mestranda em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo e apresentadora do Programa #Feminismos