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A insegurança hídrica da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, uma bomba relógio sem cronômetro

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Nos últimos dias, a imprensa tem relatado a reclamação reincidente da população do Grande Rio (Baixada e Capital) de que a água, que chega em suas casas pelo sistema de abastecimento público, apresenta gosto e cheiro estranhos.

A Companhia de Saneamento responsável pelo serviço (CEDAE) informou que essa condição se dá em virtude da presença de geosmina, uma substância (organoclorado volátil) produzida por “algas” (cianobactérias), e que isso não traria risco à saúde.

Embora pareça não representar um risco a saúde imediato, aprendemos desde o ensino médio/fundamental que a água ideal para consumo humano deve ser insípida (sem sabor), incolor (sem cor) e inodora (sem odor). A preocupação e desconfiança da população sobre a qualidade não é inapropriada. Honestamente falando, é até pequena sobre a realidade de um sistema já antigo, inadequado e insuficiente, a precisar de fortes investimentos, tanto para amplia-lo quanto para garantir seu funcionamento quer qualitativo quer quantitativo.

Ao mesmo tempo causa estranheza que a CEDAE não tivesse um estoque de carvão ativado para esse tipo de emergência. Por mais que a manutenção do manancial não seja de reponsabilidade da Companhia e sim do Comitê/Agência da bacia, uma vez identificada a chance do problema, não tê-lo em estoque é como comprar um extintor depois do fogo iniciado.

Capital e Baixada possuem população de aproximadamente 10 milhões de pessoas basicamente abastecidas de água por um antigo sistema (Guandu-Lajes-Acari), composto por unidades com idade média com mais de 60 anos.

A idade avançada é um dos problemas de um sistema que também não foi atualizado. Os sistemas “Ribeirão das Lajes” e “Acari”, por exemplo, nem possuem estações de tratamento de água, pois são de uma época onde se aceitava isso e nunca foram melhorados. Ambos estão em desacordo com o previsto na atual portaria do Ministério da Saúde e dos órgãos internacionais para potabilidade de água.

Apesar destes pontos de risco da qualidade da água, o real risco a esse sistema está no fato de que mais de 80% da água produzida é oriunda do Guandu. A ETA Guandu é, ao mesmo tempo, motivo de orgulho para alguns (por entenderem ser a maior estação do mundo) e também motivo de grande preocupação para os técnicos, pois é um enorme risco para milhões de habitantes da RMRJ. Uma falha operacional, uma necessidade de manutenção imprevista, ou um acidente em qualquer ponto do sistema Guandu, representará o desabastecimento de água de milhões que aqui vivem, o que seria uma catástrofe.

O Rio Guandu, manancial desse sistema é, na verdade, um rio “artificial”, dependente do funcionamento de uma transposição de águas por bombeamentos e turbinamentos para geração de energia elétrica denominado “Sistema Santa Cecília”, da Rio Light. As águas são captadas no rio Paraíba do Sul na altura de Barra do Piraí, cujo início da construção remonta aos anos de 1930. A falha em uma destas unidades com mais de 80 anos pode representar a interrupção da disponibilidade de água na captação do sistema Guandu. Essa preocupação está presente em trabalhos da área como o Plano Integrado de Recursos Hídricos da Bacia do Rio Paraíba do Sul (2016), o Plano Estadual de Recursos Hídricos (2014) e inúmeros artigos e trabalhos publicados a respeito. Trata-se de um grande risco de desabastecimento de água para mais de 10 milhões de pessoas, que vem sendo negligenciado governo após governo.

Do outro lado da Baia de Guanabara, na Região Leste da RMRJ (Grande Niterói), com cerca de 2,5 milhões de habitantes, a questão hídrica é tão ou mais alarmante. Essa região possui um déficit de abastecimento de água atual estimado entorno de 3,0 m³/s em um sistema (Imunana-Laranjal) capaz produzir 5,5m³/s. Nos últimos anos não tem havido estiagem rigorosa e a situação passa com pouco destaque. Mas os técnicos sabem desse déficit.

Além das milhares de pessoas não assistidas por rede de abastecimento de água, saber desse déficit hídrico na região levou, por exemplo, a empresa chinesa CNPC a desistir da parceria com a Petrobras para a finalização da implantação do COMPERJ em Itaboraí, uma obra que já consumiu a inacreditável quantia de mais de 40 bilhões de reais e está longe de ser concluída.

O gosto e cheiro de “terra” na água alarmado pela população nos últimos dias, causado pelas cianobactérias no lago de captação do Guandu é uma ponta do iceberg da realidade da insegurança hídrica desta Região.

Vivemos com uma bomba relógio sem cronômetro.

*Engenheiro Civil da FIOCRUZ, Professor do Curso de Engenharia Civil do CEFET/RJ, Presidente da ABES-Rio (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, Seção Rio de Janeiro)

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água | cedae | geosmina